O Messias e sua caneta Bic
Marcelo Torres
Deus é brasileiro. Por isso nos enviou um Messias.
Para este ser o nosso salvador. O salvador da pátria. Só quem é cego não viu. O
nosso Messias, punhos cerrados, o pulso firme. Reescreveu a história do Brasil
com uma caneta Bic. Prova do seu voto de pobreza, de sua humildade, de sua
simplicidade. Com uma Bic, ele livrou-nos de todo o mal, amém. Com uma caneta
Bic, ele riscou do mapa o mal maior do Brasil, o comunismo.
Como se sabe, até 1º de janeiro de 2019, ou seja, até
anteontem, o Brasil era presidido por uma cambada de comunistas, essa gentalha
que come criancinha assada no espeto. Os ditadores comunistas, tirados do poder
anteontem, queriam porque queriam tirar as cores verde, amarelo, azul e branco
da nossa bandeira. Queriam colocar o vermelho, que é a cor de satanás, a cor do
demônio, veja se pode uma desgraça dessa.
Eles só não conseguiram isso porque Deus é mais, Deus
é brasileiro, e Deus mandou o Messias livrar o Brasil de todo pecado. “Nossa
bandeira jamais será vermelha”, disse-nos o bom pastor, “nossa bandeira só será
vermelha se nós derramarmos sangue para defendê-la” — e todas as pessoas de bem
o aplaudiram, não só as 115 mil presentes, como as 57 milhões que votaram nele
e que acompanharam a transmissão pela televisão.
Foi o grande acontecimento nacional, um fato que
mobilizou toda a imprensa e grande parcela da população brasileira e mundial.
Já na sexta, três dias antes do evento, todos os habitantes do Distrito Federal
que possuem celular receberam uma mensagem da Presidência da República
informando o que não podia usar na via pública, ou seja, coisas básicas para a
segurança de todo mundo, pois os esquerdistas queriam (e querem) matar o nosso
Mito, o nosso Messias.
A lista — grande para burro, mas necessária — também
foi divulgada pela imprensa no dia e nas vésperas da posse. A primeira
informação era: só entrar e sair por um único ponto; as dezenas de acesso ao
local seriam bloqueadas. Ao entrar, você seria revistado não só uma, nem só
duas, nem só três, mas quatro vezes, em quatro barreiras sucessivas, pelos
agentes de segurança — segurança é segurança, ora!
As forças de segurança, de forma proativa, cercaram
tudo com cerca concertina, aquela barreira laminada, espiralada e cheia de
lâminas de aço pontiagudas, cortantes e penetrantes — segurança total.
Antes de ir, você já ficava sabendo o que não podia
levar. Nada de apontador de laser, por exemplo, aquilo é um perigo. Nada de
bebida, nem mesmo água em garrafinha plástica — a água era distribuída no local
mesmo. Outra coisa proibida era entrar com animal. Lula e anta, nem mortas! Os
adversários dizem que viram pela televisão uns ratos, mas rato não tem como
evitar — além do mais, se lá eles estavam, estavam comportadinhos, não
incomodaram.
Outra coisa: não podia entrar com bolsa nem com
mochila — vai que era um penetra, um petista infiltrado. Também não podia
carrinho de bebê, mas isso era café-pequeno, quem tinha criança de colo levava
sua babá e pronto. Não podia entrar com fogos de artifício, mesmo que fosse um
traque (vai que era um petralha querendo explodir o Congresso Nacional).
Não podia entrar com objetos cortantes — lembrem-se de
Adélio, aquele terrorista amicíssimo de Dilma, que foi treinado em Cuba e no
Irã e na Venezuela e no Afeganistão para matar O-Mito. Não podia entrar com
produtos inflamáveis (lembremos dos vândalos queimando tudo contra Temer). Era
terminantemente proibido o uso de máscara ou qualquer coisa que escondesse o
rosto (quem não deve não teme, quem esconde rosto é bandido).
Spray? Guarda-chuva? Bengala? Deus-livre! E capacete?
Também não, porque algum petista infiltrado poderia atirar no Messias. E uma
frutinhas, podiam? Laranjas, não vi (o Messias já disse em entrevista que
Queiroz nunca foi seu laranja). Teve uma jornalistinha que, só por ser
jornalista, queria entrar com uma maçã, vejam se tem lógica uma coisa dessa.
Ora, maçã é vermelha, por isso é fruta proibida, a fruta do pecado; ela só
entrou depois que tirou a casca vermelha e cortou a maçã bem picadinha — vai
que tinha uma bomba atômica escondida, todo cuidado é pouco.
Foi tudo muito bem organizado, segurança máxima para
todos. Por exemplo: num raio de 7 km o tráfego aéreo estava proibido. Num raio
de 46 km, toda e qualquer aeronave precisaria de autorização, senão era
abatida. Num raio de 130 km, as aeronaves não precisariam de autorização, mas
deveriam informar o plano de voo. Certíssimo, todo mundo seguro.
Além disso, dois mísseis antiaéreos (guiados a laser e
capazes de abater aviões a uma distância de 7 km) estavam de prontidão para
qualquer ameaça. E tinha mais: os militares usaram um radar portátil para
identificar toda e qualquer aeronave inimiga voando baixo (não foram os
petralhas que mataram Eduardo Campos e o ministro Teori Zavaski?).
Para a grande festa, foram destacados 4 mil policiais
militares, uns 200 agentes de trânsito, centenas de viaturas e dezenas de
carros de bombeiros, com 400 brigadistas — isto tudo sem falar nos milhares de
agentes federais, policiais civis, policiais rodoviários e outros milhares do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
A imprensa marronzista, comandada pela “Foice” de São
Paulo, que está no terceiro turno, foi colocada em seu devido lugar: um curral.
Para beber água ou ir ao banheiro, só com autorização militar. Justo. Todos os
jornalistas (esse bando de comunistas que espalharam “fake news” contra O Mito)
foram informados de que não poderiam fazer movimento brusco com o corpo. Ora,
segurança é segurança! Um fotógrafo, por exemplo, se levantasse bruscamente a
máquina, poderia ser abatido num milésimo de segundo por um dos tantos
“snipers”, os atiradores de elite, tudo sob controle, dentro da ordem, coisa de
primeiro mundo.
Aí vêm os esquerdopatas, os petralhas, os
comunistas-caviar — esses derrotados invejosos — e dizem que não foi uma festa,
mas uma operação de guerra. É a segurança, estúpidos! Só aquela caneta Bic já
valeu por tudo. Com aquela Bic, simples e humilde, ele riscou do mapa o
comunismo, livrando-nos de todo o mal, amém. Deus acima de todos.
Arrependei-vos, ó comunistas, e crede no evangelho. Eis o homem, o Messias, o
nosso salvador. Em nome do pai, dos filhos e dos espíritos — santos que o
acompanham, amém!
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http://literaturanabahia.blogspot.com/2019/01/cronica-marcelo-torres.html
Leia, do mesmo autor:
http://literaturanabahia.blogspot.com/2019/04/marcelo-torres-futebol-e-uma-cachaca.html
Muito bem, Marcelão do Junco!
ResponderExcluirCrônica muito bem concatenada com os fatos, atos e falatórios. Perispicácia literária de alto coturno.
Ave escritor!