Literatura na Bahia

O blog Literatura na Bahia foi criado no ano de 2010 com o objetivo de reunir textos sobre o tema, escritos pelo seu idealizador, Cid Seixas. Depois, ao perceber o alcance do título, julgou-se mais adequado e útil transformá-lo num espaço coletivo dedicado à produção literária baiana (obras e autores), com ênfase ainda em estudos e textos analíticos que registrem a vida intelectual do estado, dando destaque à sua literatura.

Neste ano de 2018, o blog está sendo reconstruído com o objetivo de incluir um número expressivo de textos sobre o tema. Nesse sentido, ele está aberto à participação dos interessados, enviando sugestões e colaborações que serão avaliadas por uma comissão editorial criada para tal fim.

Como se vê, trata-se de um espaço aberto e ainda em processo de construção...

literaturanabahia@gmail.com | cidseixas@yahoo.com.br


Bonde trafegando entre a Graça e a Barra Avenida. Salvador, Bahia.

Correspondências para Cid Seixas

Aqui estão as correspondências assinadas por autores como Jorge Amado, Zélia Gattai, Herberto Sales, Antonio Torres, Cyro de Mattos, Umberto Eco, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Ferreira de Castro, Plínio Doyle, Oswaldino Marques, Ferreira de Castro, Massaud Moisés, Mário da Silva Brito  e outros, disponibilizadas pelo escritor Cid Seixas.



FAC-SÍMILES

DE CARTAS, CARTÕES E BILHETES

DE JORGE AMADO E ZÉLIA GATTAI



Pode-se ler aqui o interesse de Amado em homenagear Pablo Neruda, o acompanhamento do que se publicava sobre ele e outras coisas.

Um episódio não registrado na correspondência diz respeito a Umberto Eco, que tentou conhecer Jorge Amado, quando esteve na Bahia.

Ente as cartas há uma apresentando o poeta Dirceu Régis (leia link do livro Ditadura militar na Bahia). Este tornou-se militante da resistência contra a ditadura. Após conhecer Régis, Cid Seixas passou a ser vigiado e abordado por agentes do regime, buscando informações a respeito. Mesmo desconhecendo as ligações políticas de Dirceu, conforme ditava a prudência naqueles tempos, não deu qualquer esclarecimento de como chegou até ele, dizendo que era um dos muitos autores que queriam ser publicados no Diário de Notícias; jornal através do qual promovia concursos literários, feiras e edições de livros.



Jorge Amado, 22.mai.72  (Justifica sua ausência ao lançamento do livro Fluviário e tece comentários sobre os poemas do livro)

Jorge Amado, 29.mai.72  (Envia lista de estudiosos americanos de Literatura Brasileira, para divulgação do recém lançado livro de C. S.)

Jorge Amado, 15.jul.72  (Envia cópia do texto a ser lido na Academia Brasileira sobre o livro Paralelo entre Homem e Rio: Fluviário)

Jorge Amado, 05.set.72  (Apresenta o poeta Dirceu Régis, que estava planejando a edição do primeiro livro)

Jorge Amado, 07.ago.73  (Agradece o artigo "O Bandeirante do Impossível", de C. S., no Jornal de Cultura do dia 5 do mesmo mês)

Jorge Amado, 29.out.73  (Registra o recebimento de exemplar do oitavo número da revista Serial, enviada por Cid)

Jorge Amado, 23.dez.73  (Jorge envia original de Calazães Neto para o livro Tereza Batista em troca de presentes natalinos)

Jorge Amado, 18.jan.74  (Envia livros e convida para encontrar com o crítico Antonio Olinto, em sua casa)

Jorge Amado, 08.mar.74  (Jorge envia alguns exemplares de revistas de poesia argentina)

Jorge Amado, 08-set-75  (Sobre a indicação de C. S. para dirigir o Teatro Castro Alves)

Jorge Amado, 08.out.75  (Discute a organização de uma página dedicada ao poeta Pablo Neruda, morto após o golpe militar no Chile)

Jorge Amado, 13.out.75  (Comunica o envio a Matilde da página sobre Pablo Neruda "organizada por você com tanto carinho")

Jorge Amado, 02.mar.76  (Agradece pelos passos iniciais visando a produção de um espetáculo teatral baseado na obra amadiana)

Jorge Amado, 15-mai-76  (Sobre a montagem da peça Quincas Berro d'Água, no Teatro Castro Alves, produção de C. S.)

Jorge Amado, 13.ago.76 (Cartão enviado de Londres por Amado, agradecendo felicitações pelo  seu aniversário)

Jorge Amado, 03.fev.77  (Agradece a atenção dispensada ao escritor e teatrólogo Dias Gomes, apresentado a C. S. pelo romancista.)

Jorge Amado, 20.out.77  (Fala de uma gripe, do defeito do seu telefone e reenvia o número já reparado para o qual ligar)
Jorge Amado, 29.out.77    (Intermedia pedido de D'Almeida Vitor de sugestão de autores baianos para figurar no Dicionário de autores brasileiros)

Jorge Amado, 05.jan.78    (Agradece o poema de Cid sobre o livro Bahia de Todos os Santos e o envia para várias publicações)

Jorge Amado, 06.mar.78  (Trasmite consulta da editora Record sobre a divulgação do 
poema sobre o Bahia de Todos os Santos)

Jorge Amado, 30-jan-80 (Considerações de J. A. sobre o livro Fonte das Pedras,de Cid Seixas)

Jorge Amado, 26-ago-80  (Sobre a concessão do título de Doutor Honoris Causa a J. A., pela UFBA)

Jorge Amado, 24.abr.1993  (Cópia enviada por J. A. do artigo publicado no jornal A Tarde sobre livros de Guido Guerra e de C. S.)

Jorge Amado, 28-mar-95  (Bilhete sobre artigo tratando de A Descoberta da América pelos Turcos)

Jorge Amado, 18-dez-95  (Discute conceitos de Seixas em artigo sobre Capitães de areia)

Rosane Rubin e Jorge Amado, 24.05.93  (Envia recorte de publicação e solicita exemplares da plaquete Jorge Amado: Da guerra dos santos à demolição do eurocentrismo)


Zélia Gattai, 19-set-95  (Comenta carta de Cid e artigos sobre livros de Zélia e de Jorge)

Zélia e Jorge, 06.jul.76  (Cartão postal de Londres com "grande e saudoso abraço")


Zélia e Jorge Amado, 30-set-97  (Falam dos livros O Espelho Infiel e Triste Bahia, de Cid Seixas)



CORRESPONDÊNCIAS | FAC-SÍMILES
DE OUTROS AUTORES


Antonio Houaiss, 27-mai-80  (Depois de Houaiss julgar seu estudo sobre a linguagem, Seixas conhece o filólogo e envia um livro de poesia)

Antonio Houaiss 16-nov-81 (Refere-se à publicação do parecer de Houaiss no livro O Espelho de Narciso)

Correspondências de Drummond  (Foto de envelopes das corrêspondências de Carlos Drummond de Andrade)

Drummond, 12.ago.1972 (Fala do livro Fluviário de C. S. e de Itabira, terra de Carlos Drummond de Andrade)



Drummond, 28.ago.1972 (Carlos Drummond de Andrade sobre matéria jornalística em torno da sua ligação com Itabira)



Drummond, 24.set.1973 (Sobre o lançamento do Jornal de Curtura, suplemento criado por C. S.)


Drummond, 13.mar.1974  (Ainde sobre o Jornal de Cultura e sobre os erros na publicação de um poema de C. D. A.)

Drummond, 3.jul.1975  (Comenta a homenagem a Godofredo Filho, poeta modernista baiano)

Drummond, 19.nov.1978  (Fala da poesia de C. S. no novo livro O signo selvagem)

Drummond,_09.nov.1983  (Acusa recebimento de uma velha foto de Itabira cedida por um itabirano residente na Bahia)

Drummond, sem data  (Agradece recorte enviado por C. S. e fala do fim do Jornal de Cultura)

Raul Bopp, 23.03.1974  (Cartão do autor de Cobra Norato enviando antigos escritos para publicação na imprensa baiana)

Raul Bopp, 31.05.1975  (O poeta modernista envia texto sobre a gênese de um dos seus poemas amazônicos)

Raul Bopp, sem data  (Agradece carta falando da homenagem aos setenta anos de Godofredo Filho)

Cassiano Ricardo, 08.out.1970  (Sobre o livro Temporário, enviado ao poeta por sugestão de Jorge Amado)

Cassiano Ricardo, 16.jun.1971  (Sobre poemas inéditos a constituirem um novo livro de C. S. focado no trabalho de estruturação do texto)

Cassiano Ricardo, 11.nov.1972 (Volta a comentar os poemas do livro Paralelo entre homem e rio: Fluviário)

Umberto Eco, 27.set.1979  (Sobre sua estadia em Salvador e a publicação da conferência no Instituto de Letras da UFBA)

Umberto Eco, 28.mar.1980 (Acusa recebimento de texto de C. S. e agradece acolhida na Bahia, quando pediu para conhecer Jorge Amado)

Ferreira de Castro, 02.out.1970 (O autor de A Selva refere-se a C. S. como um poeta fino, sutil e muito sugestivo)

Ferreira de Castro, 28.set.1972  (Trata do recebimento do segundo livro de poemas de C. S., dando sua opinião)

Herberto Sales, 26.mar.1984 (Sobre artigo de C. S. tratando do novo livro de Herberto e sua republicação no Jornal de Letras)

Herberto Sales, 18-out-95  (Sobre a plaquete Herberto Sales: Notas sobre a narrativa.)

Herberto Sales, 11.dez.1980    (O autor de Cascalho fala da resenha sobre seu novo livro, especialmente de dois contos)

Massaud Moisés, 11.out.1985   (Consulta sobre a publicação do seu texto e convida para organizar uma antologia para a Global Editora)

Massaud Moisés, 03.mar.1986  (Sobre o artigo dedicado a Sosígenes Costa na Revista Brasileira de Literatura)

Massaud Moisés, 20.out.1987  (Trata da preparação, por C. S., de estudo crítico sobre Drummond na série da Cultrix, coordenada por M. M.)

Massaud Moisés, 20.mar.1997 (Sobre a resenha de O piano e a orquestra, para a revista Colóquio e sobre livro de Ruy Espinheira Filho)

Massaud Moisés, 25.jun.1997   (Refere-se ao livro O lugar da linguagem na teoria freudiana.)

    (Solicita resenha sobre o livro Espaços da memória: Um estudo sobre Pedro Nava)

Antonio Torres, 23 jul.1997    (Envia recortes de artigos sobre o seu livro O cachorro e o lobo)

Antonio Torres, 01.set.97  (Trata do artigo em O Estado de S. Paulo, sobre seu livro)

Antonio Torres, 23.06.1998  (Discute seleção de textos para um novo livro com artigos e resenhas de crítica)

Cyro de Mattos, 31.mar.1998  (Discute os nomes selecionados para uma antologia do conto baiano para a Editora Mercado Aberto)

    (O crítico fala da entrevista de C. S. ao Minas Gerais Suplemento Literário, abrindo uma série sobre o conto brasileiro)

Oswaldino Marques, 08.jul.1982  (O autor de A seta e o Alvo refere-se ao livro O Espelho de Narciso e envia seu texto com referência a C. S.)

Mário da Silva Brito, 11.jan.1977  (Agradece o envio do "Poema do Natal Revisitado", em forma de cartão natalino)

Mário da Silva Brito, 02.mar.1981  (Carta extraviada. Remetida pela Editora Civilização Brasileira, com o original do texto, aqui transcrito, de Mário sobre o livro de C. S.)

Plínio Doyle, 20.fev.1990  (Registra o envio da revista Qvinto Império e convida para participar do Sabadoyle, encontro de escritores brasileiros residentes no Rio)

Correspondências para Cyro de Mattos

 

Algumas correspondências endereçadas ao escritor gapiúna Cyro de Mattos são disponibilizadas a seguir. Para ler clique no título-link em azul.


Affonso Manta   (Carta do poeta Affonso Manta sobre o Lavrador Inventivo, de Cyro de Mattos)

Prêmio
Críticos de Arte   (Associação Paulista dos Críticos de Arte confere o Prêmio 1992 ao autor baiano)

Carlos Drummond de Andrade    (Cartão de Drummond sobre a alegria de ler Os Brabos, de Cyro de Mattos)

Elias José    (Carta-poema de Elias José de 12.09.2002, ressaltando a maturidade poética do baiano Cyro de Mattos)

Ênio Silveira   (Carta do editor Ênio Silveira de congratulação pela obra de Cyro de Mattos publicada na Dinamarca)

Frasncisco Carvalho    (Comentário sobre Vinte poemas do rio e Cancioneiro do cacau, de
Cyro de Mattos.



Fred Ellison    (O estudioso norte-americano fala do "número considerável de obras" de C. M., em Austin, Texas)

Jorge Amado    (Carta enviando cópia da apresentação do livro Os Brabos à Academia Brasileira de Letras)

Jorge Amado    (Cópia datilografada do texto de Jorge Amado sobre o livro de Cyro de Matos)

Curt Meyer-Clason    (Carta do consagrado tradutor enviando versão alemã de um dos Vinte Poemas do Rio)

Jorge Medauar    (O escritor grapiúna fala do livro de crônicas O mar na Rua Chile, de Cyro de Mattos)

M. Mestas   (Carta do estudioso francês afirmando ter sido tocado pela sensibilidade do autor brasileiro)

Stella Leonardos    (Escritora comenta o lugar do livro Os Brabos, na literatura brasileira)

Vera Abramo    (Diretora da Biblioteca Central da UFBA fala do significado de incorporar livros de C. M.)

Seus Comentários



LEITURA LEVE

Sabemos que, com a multiplicação de novas tecnologias digitais, uma das mais antigas invenções da humanidade, a arte da escrita (necessariamente associada à arte da leitura) deixou de ser um instrumento essencial para um grande número de pessoas.

O par amoroso Escrita/Leitura constitui uma relação afetiva muito forte. Esse enlace é uma atividade mental construída, ao longo dos anos e dos séculos, pelas mais refinadas Civilizações da História humana.

Assim, a leitura – que já foi o principal meio de aquisição do conhecimento e também de prazer do espírito culto – perdeu espaço para os mais fantásticos e feéricos recursos audiovisuais.

Diante da complexidade de raciocínio envolvida em muitas obras, o livro passou a ser visto pelas pessoas com menor aptidão intelectual como algo dispensável.

Visando resgatar o prazer da leitura, foi criada coleção de e-books PEQUENAS OBRAS PRIMAS, na qual livros eletrônicos de pouquíssimas páginas permitem ler em alguns minutos contos considerados, ao mesmo tempo, simples e agradáveis, além de deixarem a certeza da alta qualidade inerente às criações mais elevadas do engenho humano.

Reserve dez ou quinze minutos e experimente a surpresa de redescobrir o prazer de uma boa leitura.

Depois disso, deixe uma mensagem na página Seus Comentários / Pequenas Obras Primas do blog literaturanabahia.blogspot. com dizendo o que achou e registrando suas impressões para outros leitores. Sua opinião é muito importante para que possamos continuar selecionando pequenas narrativas de ficção e disponibilizando novos livrinhos ligeiros para serem lidos no celular.

Sem fins lucrativos, este projeto tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do hábito de leitura entre adultos, idosos e jovens.


Se você é professora ou professor em colégios que utilizam a Literatura como instrumento de formação intelectual, deixe registrado algum aspecto do seu importante trabalho.

Abraços a todos,
Cid Seixas



     
  


Crônica: Marcelo Torres


O Messias e sua caneta Bic

Marcelo Torres

Deus é brasileiro. Por isso nos enviou um Messias. Para este ser o nosso salvador. O salvador da pátria. Só quem é cego não viu. O nosso Messias, punhos cerrados, o pulso firme. Reescreveu a história do Brasil com uma caneta Bic. Prova do seu voto de pobreza, de sua humildade, de sua simplicidade. Com uma Bic, ele livrou-nos de todo o mal, amém. Com uma caneta Bic, ele riscou do mapa o mal maior do Brasil, o comunismo.

Como se sabe, até 1º de janeiro de 2019, ou seja, até anteontem, o Brasil era presidido por uma cambada de comunistas, essa gentalha que come criancinha assada no espeto. Os ditadores comunistas, tirados do poder anteontem, queriam porque queriam tirar as cores verde, amarelo, azul e branco da nossa bandeira. Queriam colocar o vermelho, que é a cor de satanás, a cor do demônio, veja se pode uma desgraça dessa.

Eles só não conseguiram isso porque Deus é mais, Deus é brasileiro, e Deus mandou o Messias livrar o Brasil de todo pecado. “Nossa bandeira jamais será vermelha”, disse-nos o bom pastor, “nossa bandeira só será vermelha se nós derramarmos sangue para defendê-la” — e todas as pessoas de bem o aplaudiram, não só as 115 mil presentes, como as 57 milhões que votaram nele e que acompanharam a transmissão pela televisão.

Foi o grande acontecimento nacional, um fato que mobilizou toda a imprensa e grande parcela da população brasileira e mundial. Já na sexta, três dias antes do evento, todos os habitantes do Distrito Federal que possuem celular receberam uma mensagem da Presidência da República informando o que não podia usar na via pública, ou seja, coisas básicas para a segurança de todo mundo, pois os esquerdistas queriam (e querem) matar o nosso Mito, o nosso Messias.

A lista — grande para burro, mas necessária — também foi divulgada pela imprensa no dia e nas vésperas da posse. A primeira informação era: só entrar e sair por um único ponto; as dezenas de acesso ao local seriam bloqueadas. Ao entrar, você seria revistado não só uma, nem só duas, nem só três, mas quatro vezes, em quatro barreiras sucessivas, pelos agentes de segurança — segurança é segurança, ora!

As forças de segurança, de forma proativa, cercaram tudo com cerca concertina, aquela barreira laminada, espiralada e cheia de lâminas de aço pontiagudas, cortantes e penetrantes — segurança total.

Antes de ir, você já ficava sabendo o que não podia levar. Nada de apontador de laser, por exemplo, aquilo é um perigo. Nada de bebida, nem mesmo água em garrafinha plástica — a água era distribuída no local mesmo. Outra coisa proibida era entrar com animal. Lula e anta, nem mortas! Os adversários dizem que viram pela televisão uns ratos, mas rato não tem como evitar — além do mais, se lá eles estavam, estavam comportadinhos, não incomodaram.

Outra coisa: não podia entrar com bolsa nem com mochila — vai que era um penetra, um petista infiltrado. Também não podia carrinho de bebê, mas isso era café-pequeno, quem tinha criança de colo levava sua babá e pronto. Não podia entrar com fogos de artifício, mesmo que fosse um traque (vai que era um petralha querendo explodir o Congresso Nacional).

Não podia entrar com objetos cortantes — lembrem-se de Adélio, aquele terrorista amicíssimo de Dilma, que foi treinado em Cuba e no Irã e na Venezuela e no Afeganistão para matar O-Mito. Não podia entrar com produtos inflamáveis (lembremos dos vândalos queimando tudo contra Temer). Era terminantemente proibido o uso de máscara ou qualquer coisa que escondesse o rosto (quem não deve não teme, quem esconde rosto é bandido).

Spray? Guarda-chuva? Bengala? Deus-livre! E capacete? Também não, porque algum petista infiltrado poderia atirar no Messias. E uma frutinhas, podiam? Laranjas, não vi (o Messias já disse em entrevista que Queiroz nunca foi seu laranja). Teve uma jornalistinha que, só por ser jornalista, queria entrar com uma maçã, vejam se tem lógica uma coisa dessa. Ora, maçã é vermelha, por isso é fruta proibida, a fruta do pecado; ela só entrou depois que tirou a casca vermelha e cortou a maçã bem picadinha — vai que tinha uma bomba atômica escondida, todo cuidado é pouco. 

Foi tudo muito bem organizado, segurança máxima para todos. Por exemplo: num raio de 7 km o tráfego aéreo estava proibido. Num raio de 46 km, toda e qualquer aeronave precisaria de autorização, senão era abatida. Num raio de 130 km, as aeronaves não precisariam de autorização, mas deveriam informar o plano de voo. Certíssimo, todo mundo seguro.

Além disso, dois mísseis antiaéreos (guiados a laser e capazes de abater aviões a uma distância de 7 km) estavam de prontidão para qualquer ameaça. E tinha mais: os militares usaram um radar portátil para identificar toda e qualquer aeronave inimiga voando baixo (não foram os petralhas que mataram Eduardo Campos e o ministro Teori Zavaski?).

Para a grande festa, foram destacados 4 mil policiais militares, uns 200 agentes de trânsito, centenas de viaturas e dezenas de carros de bombeiros, com 400 brigadistas — isto tudo sem falar nos milhares de agentes federais, policiais civis, policiais rodoviários e outros milhares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A imprensa marronzista, comandada pela “Foice” de São Paulo, que está no terceiro turno, foi colocada em seu devido lugar: um curral. Para beber água ou ir ao banheiro, só com autorização militar. Justo. Todos os jornalistas (esse bando de comunistas que espalharam “fake news” contra O Mito) foram informados de que não poderiam fazer movimento brusco com o corpo. Ora, segurança é segurança! Um fotógrafo, por exemplo, se levantasse bruscamente a máquina, poderia ser abatido num milésimo de segundo por um dos tantos “snipers”, os atiradores de elite, tudo sob controle, dentro da ordem, coisa de primeiro mundo.

Aí vêm os esquerdopatas, os petralhas, os comunistas-caviar — esses derrotados invejosos — e dizem que não foi uma festa, mas uma operação de guerra. É a segurança, estúpidos! Só aquela caneta Bic já valeu por tudo. Com aquela Bic, simples e humilde, ele riscou do mapa o comunismo, livrando-nos de todo o mal, amém. Deus acima de todos. Arrependei-vos, ó comunistas, e crede no evangelho. Eis o homem, o Messias, o nosso salvador. Em nome do pai, dos filhos e dos espíritos  santos que o acompanham, amém! 

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http://literaturanabahia.blogspot.com/2019/01/cronica-marcelo-torres.html
Leia, do mesmo autor:
http://literaturanabahia.blogspot.com/2019/04/marcelo-torres-futebol-e-uma-cachaca.html

Nogueira Nunes


A IDEOLOGIA DO REGIONALISMO:

PIGUARAS DE UMA CULTURA MESTIÇA

Itana Nogueira Nunes

Enquanto “fenômeno” de natureza literária, o regionalismo, como já é sabido, instaura-se nos textos ficcionais brasileiros de forma mais ostensiva a partir do Romantismo.

A partir de então, inúmeros textos têm acumulado ao longo da história reconhecido valor documental na construção do caráter identitário do povo brasileiro.

Na intenção de delinear uma evolução desse regionalismo e de se fazer uma interpretação mais aprofundada da sua aparição nos discursos ficcionais, muitos exegetas da nossa literatura têm-se empenhado em produzir conclusões ou argumentações sobre algumas das suas causas e dos seus efeitos. Com isso, concluiu-se que a diversidade de interpretações ou concepções acerca desta significativa manifestação literária brasileira é fato merecedor de atenção.

Estando incluído neste projeto de esclarecimento sobre tal temática, o crítico David Salles apresenta, como resultado de seus estudos sobre o regionalismo grapiúna (manifestação considerada como uma das vertentes do regionalismo nordestino) a sua tese de doutoramento Romance e Regionalismo na Saga do Cacau (1982), apontando cinco variantes mais conhecidas, consideradas como consequências de uma transformação literária deste regionalismo ao longo da sua trajetória.

“Pode-se falar de uma práxis regionalista. Por conseguinte, há vários regionalismos e, pelo menos, cinco variantes regionalistas brasileiras de articulação das formas literárias com a matéria que lhe é própria. Excluída a sua matriz nativista ou indianista de diferenciação, podem ser detectadas, e já o foram, as seguintes variantes, a partir de meados do século XIX: a) regionalismo romântico; b) regionalismo realista-naturalista; c) regionalismo “verista”; d) regionalismo “nordestino”, ou de trinta, ou modernista; e) regionalismo contemporâneo, ou metafísico”.[1]

Embora apresentasse esta distinção para as variantes regionalistas, que se dá, segundo DS, a partir de uma análise do que ele chamou de “códigos verbalizadores” desses regionalismos, o autor chama atenção para uma interdependência existente entre eles, oriunda de uma intencionalidade comum a todos: a de desenvolver um processo mimético de apreensão e recriação do ficcional dos espaços regionais brasileiros.

Nesse sentido, o regionalismo pode ser considerado um fenômeno originalmente único, que progressivamente se torna distinto, ao estabelecer os seus espaços culturais próprios.
Excluindo o regionalismo de fundação empreendido por José de Alencar como categoria à parte, David Salles afirma que cada uma dessas variantes demonstra conter as suas próprias especificidades, muito embora estejam todas elas interligadas por questões intencionais muito próximas e tenham sido originadas de uma mesma família.

Em linhas gerais, o regionalismo brasileiro, pela amplitude das suas manifestações, pelo largo período de sua duração na história literária, assim como pela importante elaboração linguística, temática e geográfica que resultou numa “revelação” do Brasil aos brasileiros, alcançou um teor qualitativo de grande importância.

No ciclo baiano, a zona cacaueira, representada principalmente por Adonias Filho e Jorge Amado, apresenta uma produção regionalista de grande significância. Também Euclides Neto ficcionalizou a saga dos trabalhadores e dos proprietários da lavoura do cacau, seguindo, de certo modo, o caminho aberto por Jorge Amado. Iararana é a obra de escritor grapiúna Sosígenes Costa, que atribui à região cacaueira a gênese da identidade nacional a partir de uma lenda cabocla, tendo também importante participação na construção dessa forma de regionalismo.

Junto a esses, outros tantos escritores da cultura cacaueira, como Hélio Pólvora, Cyro de Mattos, Jorge Medauar, seriam injustiçados no caso de um esquecimento natural de um ou outro nome. Portanto, sem intentar citar todos, ressaltamos aqui a grande contribuição dada à literatura brasileira por estes escritores, não somente àquela de feição regionalista, mas a nossa literatura como um todo.

Ainda na esteira da produção baiana, temos o escritor Herberto Salles, autor de Cascalho, publicado em 1944, que, segundo Sergio Milliet, em nota à terceira edição deste livro, é, na literatura, “[...] o primeiro grande romance da região diamantífera da Bahia”, tendo como foco de análise a figura do garimpeiro. O baiano Xavier Marques é reconhecido também como um regionalista de grande destaque, tendo a sua literatura praieira se revelado como o ponto alto da sua produção literária através de Jana e Joel (1899).

O sertão, representado por Eurico Alves em Feira de Santana, também colabora com relevância na construção de uma tradição regionalista na Bahia. Assim, concluímos que a importância da Bahia no cenário brasileiro soma uma forte representação dos costumes locais ou regionais como documentos vivos da nossa gente, fato que se confirma nas palavras do crítico Adonias Filho no prefácio dos Novos Contos da Região Cacaueira onde afirma que sendo “parte de uma literatura com identidade própria, a ficção grapiúna já é por demais conhecida para que a expliquemos nas causas e como presença indiscutível na ficção. Isso na verdade seria chover no molhado”.[2]

Dando continuidade ao mapeamento do regionalismo no Brasil, temos a tradição regionalista gaúcha com uma das principais fontes da sua ficção, que é Apolinário Porto Alegre. Como seu maior herdeiro, destaca-se no regionalismo sulino João Simões Lopes Neto, gaúcho de Pelotas, que viveu sempre em sua província, mesmo numa época em que somente na capital teria o seu merecido reconhecimento como escritor. Em suas histórias, elegeu como herói o gaúcho pobre, o tropeiro, o humilde peão da estância, destacando-se na literatura regionalista como um dos escritores mais populares. Entre as obras de maior destaque, temos o Cancioneiro Guasca (1910), Contos Gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913). Ao lado deste escritor, podemos citar também nomes como Augusto Meyer (na poesia), Alcides Maya, Érico Veríssimo, Luiz Antônio de Assis Brasil, Sérgio Faraco, entre outros.

Como estas duas vertentes, são conhecidas diversas outras manifestações empenhadas em representar a identidade brasileira, esta feição do “nacional” ou do “local”, enquanto retrato da nossa realidade. São inúmeros escritores ou ficcionistas brasileiros que, em seus textos regionalistas, expressam (muitos com êxito) a essência do nosso povo. Podemos aqui lembrar alguns destes mestres regionalistas, que, “aberta a picada” para a construção de uma estrada que daria na consolidação dos valores nacionais do povo brasileiro, souberam, através do seu engenho literário, demonstrar estes espaços históricos, sociais, culturais, ideológicos, étnicos, de forma diferenciada, como: Aluísio Azevedo, Monteiro Lobato, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Adonias Filho, Érico Veríssimo, João Guimarães Rosa e mais tantos outros. Estes escritores demonstram em suas obras um conhecimento íntimo e pleno do seu povo, não como um saber frio e científico, mas como um saber sensível e artístico, essencial à inspiração. Diríamos melhor: cada um deles é o próprio povo brasileiro.

Silviano Santiago, no seu Vale Quanto Pesa, comenta os primeiros textos que foram escritos para configurar “terra” e “homem” brasileiros. Para ele, estes textos escritos por portugueses, descrevendo ou ficcionalizando o território brasileiro e os seus habitantes (ou personagens), apesar de trazerem “violentas informações etnocêntricas” ou “eurocêntricas”, são considerados uma espécie de “farol”, por serem vistos como luzes que serviram para clarear os valores sociais, políticos e econômicos do País.

“O interesse direto que estes textos manifestam não é pelos habitantes que se transplantavam para cá, trazendo cargos, dinheiro e obediência irrestrita à Coroa Portuguesa, mas antes pelos que, adotando a nova pátria ou já nascidos nela, procuravam definir a si mesmos e à região em gestos de independência (relativa, é claro) com relação à Europa. O fim óbvio dos textos era apresentar o país como Nação e o súdito como independente. Ou por serem filhos adotivos, ou por serem filhos de terra desconhecida, se sentiam os brasileiros sem estatuto socioeconômico definido, em situação amorfa e negativa, portanto. Tudo isso propiciava aos que empunhavam a pena abordar os problemas da identidade, da liderança e da hierarquia”.[3]
Esses documentos serviram, portanto, para definir ou estabelecer o início de uma história sociocultural para a gente brasileira, cuja identidade se constituía numa incógnita.
Revisitemos, porém, a história no seu início.

Em direta concordância com as ideias de Silviano Santiago, já afirmava David Salles que os primeiros textos que descreveram a região do Brasil[4] e os seus habitantes são de origem portuguesa, sendo o primeiro destes a Carta de Pero Vaz de Caminha, na qual os valores verdadeiramente indígenas, ao invés de serem destacados, são recalcados. Daí a ideia de serem os primeiros habitantes do Brasil considerados como “tábula rasa” ou “papel em branco”, onde se poderiam imprimir todos os desejos de crenças e costumes do europeu.

Por isso, para que se formasse o que hoje chamamos de identidade nacional, foi preciso dedicar esforços, tanto no sentido de “lembrar” (traços da nossa identidade destacados através da valorização de uma paisagem local) quanto no sentido de “esquecer” (qualquer referência que remetesse a uma herança cultural colonialista).

Recordando o que interessasse ser recordado e apagando da memória aquilo que não contribuísse para uma história gloriosa, fomos, num conhecido jogo dialético, tentando construir o esboço de uma tradição pré-romântica que assegurasse uma confiabilidade aos intelectuais brasileiros dos períodos subsequentes, o que significava um tipo de invenção retroativa da literatura brasileira, como quis Antônio Cândido.

Esses aspectos fizeram parte da construção de um processo histórico de onde emergiriam o sentimento nacionalista, de um lado, e a primeira figura representativa da nossa cultura, sob forma de herói nacional, o índio, do outro.

Todavia, marcados pelas trágicas lembranças da colonização, um povo e a sua cultura seguiam seu caminho sem conseguir, ao tempo em que o percorria, delineá-lo, ao menos no sentido de uma independência cultural ou de uma liberdade de expressão que lhe permitisse contar a sua própria história. Por conta deste estado de total falta de autonomia é que tantos autores ao longo deste período, o do Romantismo, se mantiveram em posições vacilantes, ora tentando destacar os valores ou as cores locais, ora se desviando totalmente para a cultura do colonizador, quase sempre em favor de uma tentativa utópica de conciliação de culturas.

Nessa busca de um lugar sob o sol da civilização ocidental, regida pelas nações cultural e economicamente independentes, a vida literária brasileira teve, no Romantismo, alguns intelectuais que tomaram para si o propósito de “fundação” desta identidade, dentre os quais um de maior destaque se fez indelével em nossa história: José de Alencar. Para Araripe Júnior, Alencar “adivinhou”, como bom charadista que reconhecidamente foi, um passado para a nação brasileira.

A propósito disto, retomemos neste ponto o título deste capítulo com o intuito de esclarecer o seu valoroso empréstimo ao texto de Elvya Pereira intitulado Piguara: Alencar e a invenção do Brasil sobre o importante papel do autor de O Guarani no processo de construção identitária nacional. Neste texto, o polêmico escritor, crítico e teórico das nossas letras românticas, é chamado de piguara, vocábulo indígena que significa “guia”, “senhor dos caminhos”, de onde podemos concluir os motivos da utilização de tal termo. É a própria autora quem diz sobre o escritor romântico:

“É incontestável o caráter programático de sua obra, sobretudo a vertente indianista, na qual ele avança investido de sua condição de piguara, senhor dos caminhos de uma literatura nacionalista estreitamente vinculada a um projeto cultural de nação emergente”.[5]

Assim, para Elvya Pereira, “Alencar vai definir o seu projeto literário nacionalista tendo como pressuposto básico “a invenção do passado”. [...] Contrapondo um estado de natureza inspirado, no nível da fábula pela mitologia do povo da floresta, mas inevitavelmente conduzido, no nível do discurso, pela ideologia do colonizador”.[6]

Neste projeto literário do escritor romântico é criado nosso maior representante, eleito herói das nossas selvas e da nossa cultura (apesar das adaptações sofridas para que pudesse se transformar em herói), importante elemento fundador da identidade nacional: o índio, protagonizado nas personagens emblemáticas de Peri, Iracema e Ubirajara, expostos aqui na ordem cronológica das suas criações.

A partir do cruzamento deste representante primeiro da nossa gente, cantado e ilustrado em páginas lendárias pertencentes ao seu veio indianista, com o elemento europeu, o branco, Alencar propõe a criação de uma raça, de uma nação essencialmente brasileira.
Para a ensaísta Lúcia Helena, Alencar cria o novo “cidadão” que, primeiramente ficcionalizado na imagem do índio Peri, representa os “sobreviventes das águas turvas das revoluções identitárias” incumbidos de construir o futuro da nova nação:

“Suas obras, que surpreendem pela perspicácia disfarçada de histórias palatáveis, dão forma e conteúdo à representação do país nascente, buscando construir a memória do cidadão que ocuparia o lugar das mitologias da origem. Preside esta empresa a intenção de dizer o que era ser brasileiro no século XIX.

A colônia em que se era o outro, dera lugar ao país que não sabia o que era. Entre esses dois momentos, gente nascera, trabalhara e morrera, com um mal estar semelhante a uma doença crônica”.[7]

Este estado doentio de que fala Lúcia Helena faz referência ao mal-estar e à melancolia de que são acometidos muitos personagens alencarianos, pela dificuldade de inserção no processo de construção de uma cultura estabelecida, representando, com isso, a angústia do homem romântico.

Em História e Literatura (1999), o escritor Flávio Loureiro Chaves refere-se ao projeto de aquisição da identidade nacional empreendido por Alencar como uma busca de um modelo de herói para a sua pátria. Para ele, através deste modelo o escritor romântico vai destacar não somente no índio, mas no mestiço, no sertanejo, no gaúcho ou no bandeirante, “o novo homem surgido na América cujos atributos essenciais serão a força, a beleza, a coragem, a nobreza, fundidos enfim na solda moral proporcionada pela ‘consciência da liberdade’”.[8]

Alencar buscava nestas formas um diferencial para esse homem, que pudesse imprimir definitivamente uma marca peculiar para o povo brasileiro.

Para Loureiro, “a súmula do projeto identitário formulado na segunda metade do século XIX” se dá na fase intelectual mais madura de José de Alencar, quando publica Tronco do Ipê, Til e O Gaúcho, por estarem juntas, nesta etapa da sua obra, política e literatura. Para uma complementação do mito, Alencar reuniu história e literatura no terreno da ficção. Se, antes, já havia desenhado a nossa literatura, Alencar o fez depois com a história e estaria por último acrescentando aspectos da vida política do nosso país concluindo assim o seu projeto[9]. Com isso, o autor aponta O Gaúcho (1870) como o ponto culminante da instauração de uma tradição e de um tipo que fosse ao mesmo tempo brasileiro e americano, regional e nacional, numa relação de complementaridade necessária ao projeto alencariano.

Entretanto, a criação ficcional não foi a única empreitada a qual se propôs o representante maior do nosso romantismo. Também crítica e teoria literárias produzidas por Alencar foram matérias de discussões e polêmicas conhecidas, travadas com diversos intelectuais, a exemplo das Cartas sobre a Confederação dos Tamoios[10] (1856), nas quais se contrapõe às ideias de Gonçalves de Magalhães. Mais outros dois textos também polêmicos: “Benção Paterna”[11] e Os Sonhos D’ouro[12], foram escritos como sínteses teóricas da literatura e da crítica brasileira daquele período. Nestes últimos, o autor vai-se ocupar do tema da nacionalidade brasileira, além de traçar uma autodefesa às críticas da época. Assim, para Elvya Pereira:

“O eixo central dessa crítica de Alencar movimenta sempre elementos que, argumentava ele, deveriam caracterizar a cultura e a literatura brasileiras, como a questão da liberdade linguística do português falado no Brasil, a temática indianista e o sentimento da natureza como a emanadora da própria ideia de nacionalidade. Também na crítica e na teoria literárias, Alencar proclamava-se um piguara”.[13]

Escritor, crítico e teórico se fundem em Alencar com o único propósito de gerar a nação brasileira, escrevendo sob o pretexto de lenda, de mito ou de fábula aquilo que acreditava poder representar a história da sua própria gente.

Pudemos, então, perceber até aqui que o projeto nacionalista de Alencar não comportava nem o negro como elemento constituinte na formação da nação brasileira, nem o problema da escravidão que dizia respeito a este. Ao menos nas obras de maior relevância do escritor, a preocupação com a contextualização destes não chega a ser significativa, deixando transparecer uma postura às vezes contraditória em algumas questões, a exemplo do romance O Tronco do Ipê, de 1871. Também no teatro, ensaia aqui e ali alguns papéis para o negro, mas nenhum que tivesse a relevância dada ao indígena brasileiro, não permitindo, assim, que este protagonizasse a cena romanesca ou representasse alguma parcela da identidade nacional.

Embora já tivesse aparição conhecida na criação do cenário nacional brasileiro em diversos outros espaços, somente temos uma inserção da figura do negro como herói e representante de nossa cultura, de forma mais definida e definitiva, na vertente que se chamou de “regionalismo nordestino”. Nas páginas de escritores como Jorge Amado, para tomar como referência um regionalismo geograficamente mais determinado, o negro pôde, enfim, ser visto como um verdadeiro modelo de força, virilidade e sensualidade, que traduz de uma forma quase encantada os traços do homem brasileiro.

Assim como Alencar, o escritor baiano, em boa parte da sua produção, toma para si a responsabilidade de fundador de uma identidade nacional complementando o que seria a tríade formadora da nossa identidade. Estaria, então, definitivamente assegurado um espaço para o negro no imaginário do povo brasileiro.

Tendo sido este último um elemento considerado inferior pelas correntes ideológicas evolucionistas e deterministas da nossa cultura, o que é sabido de todos, esteve o negro fadado muito tempo ao total esquecimento na literatura. Entretanto a atração por esta que é uma das mais fortes matrizes da alma e da cultura brasileira, a raça negra, fez com que o escritor baiano, este “amigo dos homens”, como quis chamá-lo o ensaísta alemão Günter Lorenz[14], se voltasse de forma tão apaixonada para a descrição viva e realística da cultura, da religião e dos costumes deste povo, paradoxalmente tão alegre e oprimido.

A prática da religião negra ou do culto afro-brasileiro foi durante muito tempo submetida à repressão e à perseguição pela nossa sociedade, assim como pela polícia, que invadia os terreiros de Candomblé sob o pretexto de limpar a cidade com a coibição de tal crença. Jorge Amado, como deputado pelo Partido Comunista, conseguiu através de um projeto de lei, em 1946, a legalização deste culto, do qual então passou a ser também frequentador, podendo com isso, segundo o próprio escritor, acompanhar de perto as atrocidades cometidas contra o povo negro. Foi legalizada, assim, a liberdade religiosa no Brasil.

Em Jubiabá (1935), São Jorge dos Ilhéus (1944), Os Pastores da Noite (1964), Dona Flor e seus Dois Maridos (1966), Tenda dos Milagres (1969) e em tantos outros seus romances, as cenas da crença afro-brasileira são recriadas em passagens descritas com emoção e realidade pelo escritor, a exemplo de Dona Flor assistindo a negra Andreza de Oxum, empunhando o estandarte da rainha das águas, dançar “um passo deslumbrante” ou em Os Pastores da Noite em que o padrinho do filho de Massu e Benedita, Felício, é o próprio Ogun.

Nas descrições dos seus pretos, Amado não poupava generosidade. Estes são, na maior parte, fortes, espertos, camaradas, centenários e estão sempre a exibir um “riso alvar”, “com seus dentes brancos, magníficos” como os de Honório, de Cacau (1933).

O crítico e ensaísta Cid Seixas, em seu texto produzido pela passagem do aniversário de oitenta anos do escritor Jorge Amado, nos dá um depoimento dessa exaltação do povo negro, percebida no seu universo ficcional, apresentando em medida exata a dimensão desse herói:

“Ao contar os feitos da gente do povo, especialmente do negro, Amado é generoso e pródigo em exaltação. O dominado, quer pelas antigas leis da escravidão, quer pelas modernas leis do liberalismo econômico, é herói incondicional, numa inversão violenta da perspectiva da tradição literária. [...] Como na velha Cidade da Bahia, o homem do povo se confunde com o negro e o mestiço, este, como suas crenças, seus valores, sua cultura, portanto, é o herói permanente da gesta amadiana”.[15]

Na visão de Antonio Candido, embora haja uma deformação inevitável na forma de descrição e poetização dos sentimentos e emoções do negro ao serem estes narrados por um homem de outra cor, “Jorge Amado trouxe os negros da Bahia para a arte e deu existência estética, isto é, permanente à sua humanidade. Arte é estilo, e estilo é convenção”.[16]

A este representante da literatura brasileira podemos atribuir, a partir disso, grande contribuição para a formação daquele “cidadão” ao qual se referia Lúcia Helena em ensaio aqui citado. Jorge Amado é, por sua vez, também um contador de histórias de sua gente, do povo baiano e, em maior projeção, do povo brasileiro. De outras histórias, é certo, situadas num outro espaço, num espaço povoado pelos mais diversos tipos humanos ou sociais, mas que certamente teve como intenção maior a representação de uma cultura que, mesmo tendo atravessado mais alguns séculos desde o seu nascimento, ainda se encontra em estágio de cognição da sua verdadeira identidade.

Por isso tomamos de empréstimo o termo piguara para tentar designar mais um dos maiores “guias” que já se revelaram em nossas letras: Jorge Amado.

Este representante maior do povo baiano e brasileiro ocupou, não à toa, na Academia Brasileira, a cadeira de nº 23, fundada por Machado de Assis, cujo patrono foi José de Alencar, para a qual a academia o elegeu, por ser Alencar seu legítimo antecessor e também, de certo modo, paradigma na fundação da nacionalidade brasileira. Ambos, Alencar e Amado, cada um a seu tempo, séculos XIX e XX, expressaram com imensa propriedade a vontade de “ser” nação da nossa gente brasileira. É o próprio criador de Gabriela quem diz sobre Alencar e a sua relação com o povo brasileiro:

“Alencar é a força do povo, bravia, descontrolada, enchente e enxurrada, árvore nunca podada, jequitibá gigante, floresta enredada de cipós, grávida de cores violentas, rumorosa de vozes de pássaros, espalhando-se sem fronteiras como um rio em cheia, banhada de sol e de luar, de verdes mares bravios de nossa terra natal, excessiva e deslumbrante”.[17]

E, a respeito da crítica a Alencar, diz ainda:

“Que importa a Alencar o persistente silêncio de nossos ensaístas e de nossos críticos, a desconfiança com que olham o mundo por ele criado, amedrontados ante as picadas por ele abertas, que importa a Alencar esta conspiração do silêncio, se suas edições crescem e multiplicam-se com o passar dos anos, se cada homem do povo conhece e estima seu nome, se a cada dia batizam-se dezenas de Iracemas, se os índios de seus romances viraram folclore, lenda e carnaval e habitam para sempre nossos corações?”[18]

Há que se observar nessa defesa a Alencar uma auto referência do escritor baiano, que, ao sustentar assumidamente o seu desafeto com a crítica literária, defende mais a si mesmo que ao outro das maledicências sofridas em determinadas épocas da sua carreira de escritor através deste disfarçado espelhamento.

Sendo assim, podemos dizer que a fusão desses discursos fundadores da nossa cultura estava traçada desde o início. Mas o tempo teria que fazer o seu papel. Hoje, no alvorecer deste século, embalado pelos ruídos produzidos por essa avalanche dos estudos culturais, percebe-se com mais clareza a importância desses escritores-desbravadores da nossa história.

Nas suas descrições fabulosas e encantadas que povoarão para sempre o imaginário do povo brasileiro, passeiam índios, negros e brancos, seres de todas as cores e formas, caricaturas e beldades, com as suas manhas, manias e sabedorias que, de forma também encantada, deram à luz a figura de Macunaíma (alegoria da impossibilidade de tipificação do “ser” nacional), nem preto, nem branco, nem índio, nem nada...

Simplesmente o herói da nossa gente.

“Tem mais não”.



REFERÊNCIAS

[1] SALLES, David. Romance e Regionalismo na saga do cacau. Tese de doutoramento apresentada a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em 1982 , p..25.
[2] FILHO, Adonias. O nosso reino. In: NETO, Euclides (Org.). Novos contos da região cacaueira. Brasília: Horizonte Editora Ltda; Itabuna: PACCE, 1987. p. 05.
[3] SANTIAGO, Silviano. Liderança e hierarquia em Alencar. In. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.89.
[4] A expressão região foi utilizada nas primeiras descrições da nossa terra pelos cronistas europeus e é retomada por David Salles e por Silviano Santiago.
[5] PEREIRA, Elvya. Piguara: Alencar e a invenção do Brasil. Feira de Santana: UEFS, 2002. p. 33.
[6] Ibidem. p.34.
[7] HELENA, Lúcia. Identidades em curso: José de Alencar e a hipótese Brasil. Légua & Meia – Revista de literatura e diversidade cultural, Feira de Santana, UEFS, . v. 1, 2001/2002. p. 11.
[8] CHAVES, F. Loureiro. História e Literatura. 3. ed. ampl. Porto Alegre: Editora universidade/ UFRGS, 1999. p. 17.
[9] Ibidem. p. 15.
[10]ALENCAR, José de. Cartas sobre a Confederação dos Tamoios. In: CASTELLO, J. Aderaldo. A Polêmica sobre a Confederação dos Tamoios. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1953.
[11] ALENCAR, José de. Benção Paterna. In: Os Sonhos D’Ouro. São Paulo: Ática, 1981.
[12] Idem. op. cit.
[13] PEREIRA, Elvya. Piguara: Alencar e a invenção do Brasil, op. Cit., p.37-38.
[14] SEIXAS, Cid. Triste Bahia, oh! quão dessemelhante: Notas sobre a literatura na Bahia. Salvador: EGBE, 1996.
[15] SEIXAS, Cid. O sumiço da santa: síntese do romance urbano de Jorge Amado. In: Triste Bahia, oh! quão dessemelhante: notas sobre a literatura na Bahia. Salvador: EGBA, 1996. p. 92.
[16] CANDIDO, Antonio. Poesia, documento e história. In.: Brigada ligeira e outros escritos. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. p. 52.
[17] AMADO, Jorge. Conversations avec Alice Rillard. Paris: Gallimard, 1990, apud BENÏCIO, Itazil. Jorge Amado: retrato incompleto. Rio de Janeiro: Record, 1993. p. 74.
[18] Ibidem. p.74.




Professora Doutora Itana Nunes.
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