ANTONIO
BRASILEIRO:
O
ZEN TUPI (OR NOT TUPI)
Cid Seixas
Há
alguns anos atrás, o escritor Ildásio Tavares, que chegava dos Estados Unidos,
onde aliou os seus estudos de pós-graduação às atividades de professor
visitante, abriu a discussão sobre a nova poesia norte-americana, que tinha
abandonado, em termos inicialmente radicais, todo e qualquer primado do trabalho
de apuro formal. Os ensinamentos dos estruturalistas, ou as velhas lições
neo-parnasianas, entravam assim em crise no campo da criação.
Mas
o fato não era de fato novo. Em 1959, quando o Zen Budismo começava a despertar
atenções na velha e renovada Itália, Umberto Eco procurou estudar as implicações
do fenômeno no campo literário, formulando a pergunta: existe realmente uma
nova tendência condicionada pela "moda" Zen?
A
expressão "moda" vinha a propósito da divisão feita nos EEUU entre Beat Zen e Square Zen, pois enquanto o último se caracterizava como ortodoxo
("quadrado"), o Beat
representava uma onda, uma mistura de conceitos, destinada a se tornar
coqueluche entre os jovens. Foi esse Zen (o beat)
que mais se tornou popular e influenciou a arte.
Surgia
assim a nova poesia norte-americana, representada pela San Francisco Renaissance que, no dizer de Jack Kerouac é "um
gênero da velha e nova loucura Zen, poesia que volta às origens, verdadeiramente
oral". Rompia assim a poesia beat
com toda a tradição poética que se formava nos Estados Unidos. Com a divulgação
dos textos teóricos e de criação do grupo, as universidades e as revistas
especializadas em arte terminaram sendo invadidas pelo novo procedimento, a
ponto de mudar o curso d a poesia nova do País.
Mas,
como sabemos, uma tendência em arte pode surgir, simultaneamente, em vários
lugares, independentemente de interinfluências. Guardadas as proporções
impostas pelo contexto, temos na moderna poesia baiana um caso, talvez único,
de poeta cujo trabalho apresenta alguma consonância com o dos novos poetas
americanos do norte. Trata-se de Antonio Brasileiro, que vacila entre o apurado
exercício formal e a livre expressão verbal. O caminho de Brasileiro foi, de
certa maneira, parecido com o da geração poética beat ou da San Francisco
Renaissance. Houve uma descoberta do Oriente, de Lao Tsé, do Taoísmo, dos
textos budistas e, finalmente, de Suzuki, com o Zen. A diferença é que
Brasileiro não se filiou à onda beat;
ciente da sua condição de poeta e do seu sentimento
de um ocidental, procurou conhecer o Zen como elemento de adição cultural.
Não aderiu a uma moda, mas reuniu ao seu inventário elementos até então desconhecidos
e capazes de motivar uma reformulação, no sentido dialético.
Caracterizada
assim a atitude estética do poeta, vejamos o seu "Estudo 124" ¾ do pequeno volume
Estudos — publicado pelas Edições
Cordel:
Desce sobre mim
a paz do longe,
a paz do
sublime.
Ergo meus olhos:
o horizonte
eleva-se no ar,
flutua.
O sol se esquece
de ir embora e dança,
silencioso,
a valsa sideral
dos astros loucos.
As árvores
cochicham e olham, mudas,
o insólito.
As beldroegas do
campo também sabem
que é enorme o
segredo.
Uma coluna
vertebral de nuvens
medita o mundo.
O horizonte
levita.
A brisa não move
as folhas dos arbustos;
escuta. E um
calango
brinca em meus
pés pois sabe que sou puro.
Realiza,
assim, uma poesia fluente e de clara presença do elemento orientalizante, quer
seja no livro "Estudos" ou em outros poemas, como "Dos Diálogos
do Deus com Agapanto", publicado pela editora dos monges beneditinos, no Breve Romanceiro do Natal, volume que
reúne quinze poetas da Bahia.
A
linguagem de Antonio Brasileiro é direta, espontânea, confessional, típica de
uma lira subjetiva que nos sugere um retorno à estética do romantismo, como
ocorre com a nova poesia norte-americana. E o poeta sabe disso, daí vacilar
entre dois polos antagônicos: o domínio das estruturas formais do poema e o
livre fluir do verbo. Não sei qual das opções será a eleita, a definitiva —
aliás, em arte, nada é definitivo, tudo é circunstancial; ou melhor: cíclico —
mas vislumbro na força criativa do seu trabalho uma tentativa de domar extremos,
de construir um campo de conflito como módulo da sua arquitetura poética. A
eterna luta do poema: a busca do equilíbrio dos elementos até então
inconciliáveis. Guimarães Rosa tentou conter o eterno no efêmero, o solene no
lúdico, o racional no sensorial.
Desse
modo, Antonio Brasileiro nos dá uma poesia plurivalente, de esquema não linear
e projeto súbito. A engenharia do imponderável.
Mas
o procedimento requer calma, paciência, como uma operação mágica chamada Alquimia do Verbo.
Rimbaud
nos lembra que é preciso aprender a “cumprimentar a beleza".
______________
Antonio
Brasileiro e o zen como procedimento estético. A Tarde, 13 de julho de 74, p. 4.
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