O fio do novelo
Cid Seixas
A
EDUFBA inicia as suas atividades editoriais publicando um dos mais expressivos
escritores baianos. Como historiador e
como ficcionista, Luis Henrique é um nome respeitado nas nossas letras, tanto
pelo trabalho sério e criterioso no âmbito científico, ou da investigação
histórica, quanto pela inventividade na criação literária. Não poderia a recém
criada Editora da Universidade Federal da Bahia escolher um autor mais apropriado
para inaugurar as suas atividades.
Todos
sabemos da importância de um programa editorial desenvolvido por instituições públicas.
Em outros estados brasileiros, organismos como os institutos estaduais do livro
ou as fundações de apoio à pesquisa ocupam, juntamente às editoras da iniciativa
privada, um significativo espaço editorial. Na Bahia, há muitos anos os órgão
governamentais não tomam a si a aplicação de um plano de publicações, muito
embora os setores oficiais sempre insistam em falar nas chamadas “tradições
culturais baianas”, como forma de preencher com discursos ufanistas a ausência
de uma tradição de fato.
O
início das atividades da EDUFBA deve ser saudado com entusiasmo e a esperança
de que, mesmo com a política de sucateamento das universidades públicas pelo
governo da dinastia dos Fernandos, a nova editora baiana possa encontrar meios
alternativos de sobrevivência.
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Não foi o vento
que a levou
é uma novela policial que tem como discreto pano de fundo as relações sociais e
políticas no Brasil do Estado Novo, centradas na Bahia. Obra leve, linear e bem
construída, esta novela de Luis Henrique pode, sem dúvida, atingir desde o
leitor mais exigente até o público da chamada literatura de consumo. O leitor
exigente encontra no texto de Luis Henrique a marca de um escritor seguro e
capaz de urdir uma narrativa elaborada de modo a aparentar uma naturalidade
coloquial e adequada à atmosfera da história contada. O público das narrativas
policiais se surpreenderá com um narrador sutil que prende o seu leitor pelo
encadeamento ágil dos acontecimentos e pela atualidade do tema.
Quando
a crise social se agrava e questões como a dos meninos de rua ou a da
prostituição de menores ganham destaque, Luis Henrique põe em cena uma jovem
estudante de colégio público levada ao uso do corpo como objeto de troca. A
morte dessa menina e as investigações do comissário Oséas são o ponto central
da trama. O autor consegue embalar o desavisado leitor por muitas páginas da
novela, para fechar o livro com o clássico desvendamento do enigma. Mas é desse
momento comum nas narrativas policiais que Luis Henrique tira partido, criando
uma situação inusitada. Somos surpreendidos com a reação do comissário Oséas,
fazendo com que voltemos a nos interessar pela ação do obscuro protagonista. A
narrativa não termina com o desvendamento do crime e o fim do livro: o leitor
reconstrói na mente algumas passagens da trama, prolongando no pensamento a
curta história policial.
Ao
pinçar, cuidadosamente, temas e situações de interesse, Luis Henrique pontilha
sua narrativa de sugestões ricas que apenas se insinuam, sem ser desenvolvidas.
Com isso, sugere ao leitor sutil e satisfaz ao leitor sedento de uma narrativa
linear e fácil de ler.
A
sensação que temos, após a leitura da novela, é que o autor tem, diante de si o
núcleo de um excelente romance. Conhecedor da nossa história, Luis Henrique tem
ao seu dispor o painel do Estado Novo na Bahia como manancial dos mais
convidativos. Por outro lado, os problemas sociais que levam à prostituição de
menores continuam despertando atenção.
Se
a novela é uma narrativa que se encadeia desvendando uma única trama, através
de episódios ligados por um elo comum, no caso, representado pela investigação
do comissário, o autor não poderia desenvolver os pontos luminosos que atraem o
nosso olhar sem deixar de lado a estrutura novelesca. O desenvolvimento dos
diversos motivos latentes na trama de Não foi o vento que a levou criaria uma diversidade de situações
que caracteriza o romance; não mais a novela.
E
Luis Henrique quis escrever uma novela. Como intelectual, guardado por uma
linguagem erudita, venceu o desafio de abandonar a grande ambição de um romance
escrito para poucos e produzir um texto que, sem perder a qualidade, fala uma
linguagem de massa.
Trata-se
de um livro que pode levar o nome do autor ao grande público, e de fazer a
EDUFBA sair do âmbito universitário e acadêmico para promover o seu produto com
as armas usadas no mercado.
A
novela de Luis Henrique, apesar do título sem atrativo quando não se atenta
para o jogo intertextual, pode instaurar um traço de união entre um bom
escritor e o mercado de consumo, fazendo do livro baiano um produto vendável e autossustentável.
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Luis Henrique. Não foi o vento que a levou; novela.
Salvador, EDUFBA - Fundação Casa de Jorge Amado, 1995, 142 p.
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