O FIO DO NOVELO
por Cid Seixas
A EDUFBA inicia as suas
atividades editoriais publicando um dos mais expressivos escritores baianos.
Como historiador e como ficcionista, Luís Henrique é um nome respeitado nas
nossas letras, tanto pelo trabalho sério e criterioso no âmbito científico, ou
da investigação histórica, quanto pela inventividade na criação literária. Não
poderia a recém criada Editora da Universidade Federal da Bahia escolher um
autor mais apropriado para inaugurar as suas atividades.
Todos sabemos da
importância de um programa editorial desenvolvido por instituições públicas. Em
outros estados brasileiros, organismos como os institutos estaduais do livro ou
as fundações de apoio à pesquisa ocupam, juntamente às editoras da iniciativa
privada, um significativo espaço editorial. Na Bahia, há muitos anos os órgão
governamentais não tomam a si a aplicação de um plano de publicações, muito
embora os setores oficiais sempre insistam em falar nas chamadas “tradições
culturais baianas”, como forma de preencher com discursos ufanistas a ausência
de uma tradição de fato.
O início das atividades
da EDUFBA deve ser saudado com entusiasmo e a esperança de que, mesmo com a
política de sucateamento das universidades públicas pelo governo neoliberal da
dinastia dos Fernandos (Collor e Henrique), a nova editora baiana possa
encontrar meios alternativos de sobrevivência.
* * *
Não
foi o vento que a levou é uma novela policial
que tem como discreto pano de fundo as relações sociais e políticas no Brasil
do Estado Novo, centradas na Bahia. Obra leve, linear e bem construída, esta
novela de Luís Henrique pode, sem dúvida, atingir desde o leitor mais exigente
até o público da chamada literatura de consumo. O leitor exigente encontra no
texto de Luís Henrique a marca de um escritor seguro e capaz de urdir uma
narrativa elaborada de modo a aparentar uma naturalidade coloquial e adequada à
atmosfera da história contada. O público das narrativas policiais se
surpreenderá com um narrador sutil que prende o seu leitor pelo encadeamento
ágil dos acontecimentos e pela atualidade do tema.
Quando a crise social
se agrava e questões como a dos meninos de rua ou a da prostituição de menores
ganham destaque, Luís Henrique põe em cena uma jovem estudante de colégio
público levada ao uso do corpo como objeto de troca. A morte desta menina e as
investigações do comissário Oséas são o ponto central da trama. O autor
consegue embalar o desavisado leitor por muitas páginas da novela, para fechar
o livro com a clássico desvendamento do enigma. Mas é deste momento comum nas
narrativas policiais que Luís Henrique tira partido, criando uma situação
inusitada. Somos surpreendidos com a reação do comissário Oséas, fazendo com
que voltemos a nos interessar pela ação do obscuro protagonista. A narrativa
não termina com o desvendamento do crime e o fim do livro: o leitor reconstrói
na mente algumas passagens da trama, prolongando no pensamento a curta história
policial.
Ao pinçar,
cuidadosamente, temas e situações de interesse, Luís Henrique pontilha sua
narrativa de sugestões ricas que apenas se insinuam, sem ser desenvolvidas. Com
isso, sugere ao leitor sutil e satisfaz ao leitor sedento de uma narrativa
linear e fácil de ler.
A sensação que temos,
após a leitura desta novela, é que o autor tem, diante de si o núcleo de um
excelente romance. Conhecedor da nossa história, Luís Henrique tem ao seu
dispor o painel do Estado Novo na Bahia como manancial dos mais convidativos.
Por outro lado, os problemas sociais que levam a prostituição de menores
continuam despertando atenção.
Se a novela é uma
narrativa que se encadeia desvendando uma única trama, através de episódios
ligados por um elo comum, no caso, representado pela investigação do
comissário, o autor não poderia desenvolver os pontos luminosos que atraem o
nosso olhar sem deixar de lado a estrutura novelesca. O desenvolvimento dos
diversos motivos
latentes na trama de Não foi o vento que a levou criaria uma diversidade de
situações que caracteriza do romance.
Mas Luís Henrique quis
escrever uma novela. E, como intelectual, venceu o desafio de abandonar as
grandes ambições e produzir um texto que, sem perder a qualidade, fala uma
linguagem de massa.
Trata-se, portanto,
de um livro que pode levar o nome do
autor ao grande público, se a editora souber desenvolver um trabalho de mercado
que desperte no leitor comum o interesse pelo seu produto. Este aliás é um dos
meios que a EDUFBA tem para se manter: sair do âmbito universitário e acadêmico
e atingir ao grande público, distribuindo e promovendo o seu produto, o livro,
com as armas usadas no mercado.
Não perca o bonde,
Falcón, a novela de Luís Henrique, apesar do título sem atrativo, pode
instaurar um traço de união entre um bom escritor e o mercado de consumo,
fazendo do livro baiano um produto vendável e autossustentável.
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O novelista Luís
Henrique. Artigo crítico sobre o livro Não
foi o vento que a levou, de Luís Henrique. Novela. Salvador, EDUFBA,
Casa de Jorge Amado, 1995. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 2 out. 95, p. 5.