Viegas e o epigrama

Pinheiro Viegas
e o epigrama
na Bahia


por Gilfrancisco


Jornalista de estilo inconfundível e considerado um dos grandes nomes da literatura baiana, Pinheiro Viegas (1865-1937) é sem dúvida o maior epigramista baiano. Pretende este ensaio, capítulo da pesquisa Revisão de Pinheiro Viegas – nas agremiações literárias na Bahia, anos vinte: Grupo da Baixinha & Academia dos Rebeldes, realizada em 1998/1999 no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, apresentar uma amostragem do epigrama na Bahia dessa década, destacando o epigramista baiana. Os textos aqui apresentados foram localizados em coleções de periódicos baianos, nos arquivos da Biblioteca Central do Estado da Bahia e no Arquivo Público do Estado.

Hoje quase ninguém pronuncia o nome dele, mas há 80 anos era o líder absoluto de um grupo de jovens rebeldes talentosos, feroz epigramista, a desancar poderosos e janotas das letras locais. Jorge Amado, um de seus liderados, disse que, pela inteligência, era descendente direto de Castro Alves, o único em seu tempo: Pinheiro Viegas.

Apesar da longa militância jornalística no sul do país, especificamente no Rio de Janeiro, e ter publicado vários livros, Pinheiro Viegas tornou-se conhecido, principalmente, a partir da década de vinte, quando fundou na Bahia a Academia dos Rebeldes, e vinculou-se a uma nova geração que surgia nesse momento, representando uma nova corrente literária: o Modernismo. Foi neste período que mais se desenvolveu sua produção de epigramas na Bahia, técnica esta também utilizada por outros membros do grupo, o que prova a sua influência entre os jovens iniciantes nas letras.

Entre os gregos, primitivamente, o epigrama era tomado em sentido etimológico: designava toda sorte de inscrição, em túmulos, monumentos, estátuas, medalhas, moedas, etc; em verso ou prosa, voltada à lembrança de um acontecimento memorável ou de uma vida exemplar. Hoje entendemos como epigrama, composição poética breve e satírica, expressando um conceito ou pensamento malicioso da maneira mais incisiva.

Vejamos do romancista e poeta Clóvis Amorim duas quadras, uma delas dirigida a um parlamentar:

“Deputado de cartaz
Na atual legislatura
O moço tem por detrás
Quem lhe faça cobertura.

* * *

Veio ao mundo esse Raimundo
Devido a um erro, talvez,
E só Deus que fez o mundo
Sabe ao certo quem o fez.”

Deve-se ressaltar, porém, que o seu gênero principal foi o epigrama, de grande moda na época e na Bahia, com certeza, era onde existia os melhores especialistas do epigrama, como: Lafayette Spinola, autor do Livro Harpas & Farpas, publicado em 1943, no qual o epigramático dedicou um capítulo ao epigrama da Bahia. Com seu jeito peculiar de dizer mal, com o máximo de malícia, referindo-se a certo nazista das letras baianas: “sendo um quinta-coluna confesso, não chega a ser nocivo, porque lhe faltam méritos até para o mal...”

Outro grande divulgador do epigrama na Bahia foi Aloísio de Carvalho (1866-1942), o velho Lulu Parola, como era conhecido, com seu sarcasmo suave, a sua ironia sutil, algo malicioso, fazendo mais rir do que chorar. Aloísio de Carvalho manteve “Cantando e Rindo”, título de uma coluna em verso, que manteve, durante muitos anos, na imprensa, no seu Jornal de Notícias, de outubro de 1891 a março de 1919. Vejamos uma de suas sátiras de citação obrigatória:.

“Deu-se uma em um tóro de madeira,
E a ema engoliu
Deram pedras depois. De igual maneira

A ema os digeriu
Alguém, após, uns ferros lhe atirou,
E a ema os devorou
Jogaram em seguida, o teu poema
E a ema
(Sabem vocês que foi que sucedeu?)
Engoliu e morreu.”

Deraldo Dias, médico e professor do Ginásio do Salvador, dedicou-se ao gênero com muita espiritualidade. É de sua autoria esta esplêndida sátira ao colega de grau:

“Doutor dos mais eminentes.
Homem severo, impoluto,
Entre os deveres urgentes,
Por que não perca um minuto,
Vai visitar os doentes
Logo vestido de luto.”

Outro epigramista pouco conhecido é Gilberto Guimarães, autor destes versos a um literato gordo:

“Você diz que pesa oitenta
Quilogramas. (Quem diria?)
Tirada a massa cinzenta
O peso não mudaria.”

Roberto Correia, poeta oficial do 2 de julho epigramou:

“Forçosamente de origem
Diabólica ou remota
Deve ser cor de fuligem
A alma de todo o agiota!”

A prática de se fazer epigrama na Bahia nesta época era tão importante, que o poeta Roberto Correia, pseudônimo de Robison, passou a colaborar entre 22 de novembro de 1925 a 21 de março de 1926, no jornal O Imparcial, onde publicou 51 epigramas:

“Epigramas

Iniciamos, hoje, num cantinho diário desta página, a colaboração, em verso, sob o título acima, de um dos mais festejados e brilhantes poetas baiano da atual geração.

Terão assim os leitores, diariamente, oportunidade de rir ou de pensar amargamente numas tantas realidades ridículas da vida, graças ao prestígio, muita vez ferino, das quadrinhas do Robison, ao mesmo tempo um dos nossos líricos mais espontâneos e queridos”. Vejamos mais dois desses epigramas:

“Sei, nobre amigo, de sobra.
Que ao bom artista imitais:
- Na quantidade da obra...
- Na qualidade...jamais!

* * *

Há espíritos poéticos.
Que fazem versos exóticos:
Na forma - sempre antiestéticos!
No fundo - sempre caóticos!”

Outros nomes haveria ainda a citar, como os de Castelar Sampaio, Deraldo Dias, Magalhães Neto (1897-1969). A sátira ferina de Silvio Valente (1918-1951), que através da coluna em versos Tabuleiro da Baiana, publicada no jornal A Tarde, assinada por Bernardo Só e Pepino Longo, pseudônimos que adotou, abriram o riso na sociedade baiana. Sobre o lançamento do romance A Cigana, 1949, de Edith Mendes da Gama e Abreu (1903-1982), diz:

“Conselhos ouve quem quer,
mas lá vai um, D. Edith:
escreva o que lhe aprouver,
escreva... mas não edite.”


Sobre esse gênero muito em voga na Bahia, tendo Pinheiro Viegas como mestre de uma geração e por tantas vezes louvado de alta maneira como o “verdadeiro príncipe da ironia desterrado dos bons tempos de Florença, como um Cellini, lavorando a frase, com estranhado amor com que o criador de Perseu abria na Prata os seus primores de perene beleza.” [1] Seu companheiro Jorge Amado o considerava “terrível epigramista” enquanto que Raimundo Magalhães Júnior que além de epigramista o viu como destabocado e cético.[2]

Além disso, foi neste período, um dos únicos, ou único, a se utilizar do epigrama como meio de ataque, o que vem explicar talvez a sua não inclusão entre os intelectuais da época e até mesmo a sua marginalização, uma vez que entre os que atacava se encontrava aquele de maior prestígio na Bahia: Carlos Chiacchio. “O temido crítico de A Tarde,

 cujo rodapé semanal fazia e desfazia reputações literárias.” [3]

“A. C. Chiacchio
Macarrão e azeite de dendê
Óculos, bigodes, panças, eis o dr. C. C.
Ironia!
Com todos esses ces –
O crítico melhor é o pior
poetaço da Bahia.”

Ainda contra Chiacchio, que mantinha no jornal A Tarde a coluna “Homens e Obras”, saía às terças-feiras.

“Terço às terças. Lusco fusco
Muitos homens, poucas obras
Roda mão. Caso patusco
C. C. Macarrão etc. Cobras.”

Por causa de uma composição intitulada A música dos bilros, de Arthur de Salles, o poeta foi debochadamente apelidado de Arthur dos Bilros.

“Aqui jaz Arthur dos Bilros
Poeta de casca e pau...
Os vermes não o comeram
Por estar de Sangue Mau.”

Ainda sobre o poeta de Sangue Mau, disse o epigramista baiano, que ele se tornava o sósia mental de quantos poetas acabasse de ler e que seus livros estavam em todas as livrarias mas em nenhuma biblioteca.

Sobre o poeta Álvaro Reis, um figurão das letras baianas, (Grêmio Literário da Bahia, Nova Cruzada e Os Annaes),
que só fazia versos complicados, não raro em língua francesa, atribuiu-lhe através de publicação no O Gavião, o seguinte:

“Dialogue

Avec une femme três jolie
(Em francês macarrônico)
Ele – Mon amour, mon amour, ma femme sympathique!
Ela – Entrez, mon bien chéri, mon homme pernostique!...
Je désirais parler avec Voronoff...”

Para Sérgio Cardoso morto em 1933, poeta rebelde por índole e princípio, que viveu sempre sem escolas, companheiro de boêmia, sobre seus versos escreveu:

“São como um frasco pequeno
Teus epigramas, que horror!
Por fora, lê-se: “veneno”
Bebe-se e é água de flor.”

Natural de Belmonte (BA), Florêncio Santos, pseudônimo de Flosan, simpatizante do grupo dos Poetas da Baixinha, mereceu de Pinheiro Viegas, inúmeros epigramas:

“De Belmonte Flosan veio,
muito magro, muito feio,
recomendado ao S. Campos,
que lhe pôs dentro dos tempos
toda a carta de ABC...
e outras coisas, já se vê...”

Mais este:

“– Mamãe, me diga de tantos,
Homens seus, quem foi papai?
– Florêncio, qualquer dos Santos
De Belmonte foi teu pai.”

Ainda sobre Flosan:

“Nesta cidade malsã
O clima é senegalesco
Mas, agora entrou um fresco
Chegou, há pouco, o FLOSAN.”

Quando Florêncio Santos publicou Imagens que Dançam; Viegas disse:

“Imagens que dançam”, duas,
O samba carnavalesco
Vejo em croniquetas suas
Assinadas F. o fresco.

Sobre Nonato Marques, João Amado Pinheiro Viegas, escreveu:

“Non Nato, eis o feto literário
que não chegou a ver a luz.”

Sobre Elpídio Bastos, companheiro do grupo dos Poetas da Baixinha, autor do livro de poesia Inquietação, disse Viegas:

“Os pretos estão agora fazendo versos brancos.”

Ainda sobre Elpídio vamos encontrar mais um epigrama, quando este publicou Centelhas:

“Poeta de centelhas
O preto, à noite, a chuva eram um carvão molhado
Sem telhado.
Lá fora, à noite, a chuva, é um preto sem telhado.”

Além de ser mal pago como jornalista e enfrentar uma série de dificuldades financeiras, recebia o pagamento em parcelas, o que levou a fazer estes epigramas, contra os donos do jornal em que trabalhava. As quadras foram para os dois jornalistas, Mário Simões (diretor de redação) e Mário Monteiro (diretor financeiro), que haviam na época adquirido o antigo jornal O Imparcial, para o lançarem em nova fase.

“Depois de Mário o primeiro
Outro Mário não faz mal
São quatro mãos no dinheiro
E quatro pés no jornal.”

E ainda:

“Dentre as folhas amarelas
A melhor é o Imparcial
Mas, como paga em parcelas,
Só pode ser parcial.”

Ao famoso Café das Meninas, que era o ponto de encontro preferido todas as tardes com o seu grupo literário, certa vez chegou o jornalista Jonatas Milhomens, que frequentava a roda boêmia de Viegas, tirou de uma velha pasta um volumoso trabalho, e pediu-lhe para que lesse e desse a sua opinião. Pinheiro Viegas não se fez de rogado, passou a ler o extensivo original. Após a leitura, perguntou o Jonatas muito ansioso. - Então mestre, gostou? Depois de um longo silêncio Viegas respondeu:

“Coitado, mil homens, todos analfabetos!”

Em 1929, dirigiam A Notícia, Emanoel Santana e Ciro Rodrigues Filho, tendo como financiadores Bráulio Xavier, governador da Bahia em 1912 e Frederico Costa. Este jornal defendia Vital Soares, governador da Bahia (1928-1929), sendo, portanto, contra a Aliança Liberal, de que Viegas era partidário, fato que mereceu os seguintes epigramas:

“Ponham já ácido fênico
Nesta folha vitalícia
– Vendem papel higiênico?
– Não, doutor. Compre A Notícia.

* * *

O Xavier disse ao Costa
– Neste caso, é melhor mandá-los à polícia
A Notícia: Rodrigues e Santana
encobriram a bosta.”

Segundo depoimento de seus companheiros de grupo, Pinheiro Viegas, gostava de caracterizar-se como homossexual, como uma maneira de afrontar a moral vigente. Viegas fez um epigrama para Augusto Silva Filho, estudante de Direito, porque este fez um poema onde insinuava ser Pinheiro Viegas um homossexual. Mostrou-o a Viegas, que lhe respondeu: “Em geral as premissas literárias se oferece aos pais”, respondendo com o seguinte epigrama:

“Para escritor não tem jeito
Filho José Silva Augusto
estudante de Direito
por empenho e muito custo.”

Na verdade, quanto a ataques, pouca gente escapou à sátira de Pinheiro Viegas. Foi chamado na época do novo Gregório de Mattos, devido não só ao mesmo estilo utilizado por este para criticar, como pela fúria com que atacava. Segundo Grieco, ele “era feroz com os medalhões... crivava de farpas e sarcasmo as figuras da vida pública e das letras baianas.” [4]

Contra Antônio Muniz Sodré de Aragão (1881-1940) expressiva figura no cenário político nacional, quando este veio dirigir o Diário da Bahia, antes de 1930:

“Do Rio à Bahia veio
Velho escritor furibundo
Dois quilômetros e meio
Em cada artigo de fundo.”

Contra D’ Almeida Vitor, conhecido como Tíbias Flores, fez uma conferência com o título “Hermes Fontes, O Divino Desgraçado”. Viegas fez então o epigrama:

“D’ Almeida Vitor, menino,
Tíbias Flores reputado
Hermes Fontes foi divino
Tu que és burro, és desgraçado.
Ainda com D’ Almeida Vitor:

D’ Almeida Vitor, vitrolas
Vitrolas Vítor D’ Almeida
Foi a Sergipe, ora bolas!
e fez lá a sergipeida.”

Merecem destaques ainda estes versos escritos por Pinheiro Viegas contra D’ Almeida Vitor, publicados na coluna “Jardim Suspenso” d’O Jornal.

“Edgar Victorando
Para o Tíbias Flores

Lá na Escola de Sargentos
Vai passar vários tormentos...
Ó vida cachorra e porca!
Mas no quartel não se enforca!”

Contra o baiano Vital Henriques Batista Soares, senador estadual (1925), deputado federal (1926) e Governador da Bahia (1928-1929), a respeito de Discursos e Conferências:[5]

“Leiam V. Exc., mais um livro original
Discursos e Conferências. Autor: fulano de tal.”

Sobre o chanceler Otávio Mangabeira (1886-1960); autor do livro Halley e o Cometa de seu nome (Precedido de um breve estudo, preparatório e geral, sobre o céu e os corpos celestes, particularmente os cometas), publicado em 1910, diz o seguinte:

“Político; escritor, diplomata, engenheiro.
Na Bahia era astrônomo
Mas, em todo o Brasil o Otávio era o primeiro gastrônomo.

Ministro dos estrangeiros, palácio Itamarati
a língua dos brasileiros é língua bunda ou tupi.”

Sobre seu irmão João Mangabeira (1880-1964), também político, e discípulo de Rui Barbosa, tendo inclusive participado ativamente da campanha civilista, apoiando sua candidatura presidencial, mereceu de Viegas com muito humor este epigrama:

“Que fúnebre orador é o Jota Mangabeira !
É capaz de falar dez horas de relógio !
É sempre a mesma coisa, é sempre o necrológio,
do sogro bonachão de Batista Pereira.”

Sobre o jornalista Henrique Câncio, cronista social de A Tarde, onde assinava com o pseudônimo de Maria Lúcia, diz Pinheiro Viegas:

“Sou Maria Lúcia às vezes,
na Bahia, ou em Bizâncio,
Barriga de nove meses,
enrique... sendo, sou Câncio.”

Quando o escritor Afrânio Peixoto (1876-1947), publicou o livro A Esfinge, em 1911, alcançando grande sucesso de crítica e de livraria, Viegas não perdoou o imortal:

“Médico, escrevente, canhoto,
tudo que escreve, sai torto.
Deu a luz, não, foi aborto,
d’ “A Esfinge” Afrânio Peixoto.”

Sobre Epaminondas de Souza Pinto, organizador do livro Rui e a Poesia Nacional, publicado em 1949, onde vamos encontrar o poema de Pinheiro Viegas, Saudação a Rui Barbosa, de 1916:

“O general Tebano nem brincando mentia
o prof. baiano nem brincando fala a verdade.”

Com a Revolução de 30, vários políticos assumiram cargos administrativos na Bahia, vindos de outros estados, como o Governador (interventor) Juracy Magalhães, o Chefe de Polícia João Facó e o Delegado Auxiliar Hanequin Dantas, todos cearenses. E Viegas não perdoou os intrusos:

“Bahia os viu bem “ruim”,
magros, feios, amarelos;
três flagelados, flagelos,
Juraci, Facó e Hanequin.”

Dois farmacêuticos inexplicavelmente resolveram adotar a profissão de jornalista, nas páginas do jornal A Noite, para apoiar o governo de Góes Calmon, em troca do silêncio sobre o descalabro político. Como recompensa receberia benefícios oficiais, o que revoltou Viegas:

“As bocas cheias de rolhas,
boticas em velhos prédios...
Fazem remédios de folhas,
e fazem das “folhas” remédios.”

Sobre A Noite
mesma diria ainda:

“Não leio A Noite
porque sou míope.”

Ao jornalista Fuão dos Santos:

“Fuão dos Santos não pode
De um bode tirar a vida.
Mulato que mata um bode,
Com certeza, é parricida.”

Muito hostilizado nos epigramas do poeta maldito, foi o professor Edgar de Raggio Ribeiro Sanches (1892-1972):

“Sanches ou Sancho. De acordo
Pan’ca ou pancismo. Percebo
Tenho sebo de homem gordo
Sebo. Sebo. Sebo. Sebo.”

Diria o político gaúcho João Neves da Fontoura (1887-1962), Pinheiro Viegas nos deixou essa quadra:

“Tal mal escreves,
Não falas bem.
Oh! João Neves,
João Ninguém...”

Certa vez, se queixou para os companheiros de boêmia da dureza do assento do Café Progresso (Baixa dos Sapateiros, 7/9, filial, Rua Dr. J.J. Seabra, 269): Além de tudo, esse Café Progresso deixa o freguês possesso com esse acento agudo.

Mais quadras de Viegas:

“Um verme a outro verme disse:
-Você vai comer um vate?...
-Ora deixe de tolice -
esse é de chocolate.

* * *
O meu copo de absinto
é o meu mundo fictício
sou paxá mandarim, sibarita nababo.

* * *
Lírica a musa antiga
anda à mercê da lua
Está quase a chorar..
Ponho-a fora na rua.

* * *
Triste, olhando à janela o plenilúnio e o Atlântico.

* * *
Eu tenho em minhas mãos
das suas mãos o aroma.
Tenho na minha boca
o beijo da sua boca.

* * *
O português pôs na preta,
chopin de chopp chupeta,
o camundongo mulato,
rato... rato... rato... rato...”

Sobre o poeta pré-modernista Átilo Milano (1897-1955), que exerceu intensa atividade jornalística no Rio de Janeiro, colaborando em diversas publicações, Viegas disse: “Você não passa de um mau pizzicato de violino de seu pai”.
Sobre Hermano Santana, filósofo e beletrista, que usava o nome suposto de Lúcio de Montalvão, e que fisicamente, era bastante gordo, disse Viegas:

“O grande chapéu gri, talento nunca visto,
É o grave diretor do jornal “A Banana”
A banana,
Mas, enfim, por ser mano de Santana,
Lúcio de Montalvão é tio avô de Cristo.”

Versos dos menos divulgados, mas dos mais impiedosos, este epitáfio cuja vítima era gago, cujos inimigos apontavam como dado a práticas homossexuais, reprováveis na época:

“Vendo o vate sepultado
Disse um verme enfurecido:
– isto é trabalho baldado!
O gago já foi comido.”

O certo é que Pinheiro Viegas escreveu um número incalculável de epigramas, em sua maioria não publicada, pois muitos ficaram perdidos nas redações dos jornais ou nas mesas de bares, através do “jornal falado”. “Dali saíram os epigramas que circulavam na cidade e punham de orelha em pé literatos, políticos e outros figurões que ocupavam as páginas dos jornais e os cargos políticos.” [6]

Em 1937 Viegas encontrava-se gravemente enfermo. Era aliado da candidatura pela Aliança Nacional Libertadora do escritor José Américo de Almeida para a presidência da república. Por esse motivo, não poupou o candidato adversário:

“Senhor de Sales,
Muito gentil,
Armando males
Para o Brasil.”



NOTAS

1. LIMA, Herman, Roteiro da Bahia (Da Arte do Epigrama, 59-63). Salvador, 2ª ed. Imprensa Oficial da Bahia, 1969.

2. AMADO, Jorge e MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Jorge Amado; documentos. Rio de Janeiro. Pub. Europa-América, 1970.

3. AMADO, Jorge, Revistas e Movimentos Literários, Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, nº 34, p. 5-7, jan. 1987.

4. GRIECO, Agripino, Evolução da Poesia Brasileira, Boletim de Ariel. Rio de Janeiro, 1932.
5. SOARES, Vital Henriques Batista. Discursos e Conferências (org. A. Brandão). Rio de Janeiro, Leite Ribeiro, 1929.

6. MORAIS, Santos. O Grupo de Pinheiro Viegas fez o Movimento Modernista na Bahia. Jornal Para Todos. Rio de Janeiro, Ano II, nº 31, 2ª quinzena de agosto, p. 14, 1957.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALMON, Pedro. 1949. História da Literatura Bahiana. Rio de Janeiro, José Olympio.

CAMPELLO, Cristina Maria Teixeira. 1971. Pinheiro Viegas e a Academia dos Rebeldes. Salvador, Universitas, n. 10, set-dez, p.65-93.

GILFRANCISCO. 1999. ReVisão de Pinheiro Viegas – nas Agremiações Literárias na Bahia, anos vinte. Trabalho de conclusão do Mestrado em Letras, na UFBA. não apresentado.

LINS, Wilson. 1999. Musa Vingadora.Salvador, Universidade Federal da Bahia e Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

MACHADO NETO, Antônio Luís. 1972. A Bahia Intelectual (1900-1930). Salvador, Universitas, n.12/13, mai-dez, p. 261-305.

MARQUES, Nonato. 1994. A Poesia era uma festa. Salvador, GraphCo.

SODRÉ, Nélson Werneck. S/D. Orientações do Pensamento Brasileiro. Rio de Janeiro, Casa Vecchi.

SPINOLA, Lafaiete. 1943. Harpas e Farpas. Salvador, Livraria Progresso.

________________

GILFRANCISCO: jornalista, pesquisador, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Publicou: Gregório de Mattos, o boca de todos os santos; Crônicas & Poemas recolhidos de Sosígenes Costa, Flor em Rochedo Rubro, o poeta Enoch Santiago Filho, Musa Capenga, poemas de Edison Carneiro; O poeta Arthur de Salles em Sergipe; Godofredo Filho & o Modernismo na Bahia, entre outros. Texto publicado em A Tarde Cultural, 15 de dezembro de 2001.
E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com

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