Pinheiro Viegas
e o epigrama
na Bahia
por
Gilfrancisco
Jornalista de estilo
inconfundível e considerado um dos grandes nomes da literatura baiana, Pinheiro
Viegas (1865-1937) é sem dúvida o maior epigramista baiano. Pretende este
ensaio, capítulo da pesquisa Revisão
de Pinheiro Viegas – nas agremiações literárias na Bahia, anos vinte: Grupo da
Baixinha & Academia dos Rebeldes, realizada em 1998/1999 no Instituto
de Letras da Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Letras
e Linguística, apresentar uma amostragem do epigrama na Bahia dessa década,
destacando o epigramista baiana. Os textos aqui apresentados foram localizados
em coleções de periódicos baianos, nos arquivos da Biblioteca Central do Estado
da Bahia e no Arquivo Público do Estado.
Hoje quase ninguém
pronuncia o nome dele, mas há 80 anos era o líder absoluto de um grupo de
jovens rebeldes talentosos, feroz epigramista, a desancar poderosos e janotas
das letras locais. Jorge Amado, um de seus liderados, disse que, pela
inteligência, era descendente direto de Castro Alves, o único em seu tempo:
Pinheiro Viegas.
Apesar da longa
militância jornalística no sul do país, especificamente no Rio de Janeiro, e
ter publicado vários livros, Pinheiro Viegas tornou-se conhecido,
principalmente, a partir da década de vinte, quando fundou na Bahia a Academia
dos Rebeldes, e vinculou-se a uma nova geração que surgia nesse momento,
representando uma nova corrente literária: o Modernismo. Foi neste período que
mais se desenvolveu sua produção de epigramas na Bahia, técnica esta também
utilizada por outros membros do grupo, o que prova a sua influência entre os
jovens iniciantes nas letras.
Entre os gregos,
primitivamente, o epigrama era tomado em sentido etimológico: designava toda
sorte de inscrição, em túmulos, monumentos, estátuas, medalhas, moedas, etc; em
verso ou prosa, voltada à lembrança de um acontecimento memorável ou de uma
vida exemplar. Hoje entendemos como epigrama, composição poética breve e
satírica, expressando um conceito ou pensamento malicioso da maneira mais
incisiva.
Vejamos do romancista e
poeta Clóvis Amorim duas quadras, uma delas dirigida a um parlamentar:
“Deputado
de cartaz
Na
atual legislatura
O
moço tem por detrás
Quem
lhe faça cobertura.
*
* *
Veio
ao mundo esse Raimundo
Devido
a um erro, talvez,
E
só Deus que fez o mundo
Sabe
ao certo quem o fez.”
Deve-se ressaltar,
porém, que o seu gênero principal foi o epigrama, de grande moda na época e na
Bahia, com certeza, era onde existia os melhores especialistas do epigrama,
como: Lafayette Spinola, autor do Livro Harpas & Farpas, publicado em 1943,
no qual o epigramático dedicou um capítulo ao epigrama da Bahia. Com seu jeito
peculiar de dizer mal, com o máximo de malícia, referindo-se a certo nazista
das letras baianas: “sendo um quinta-coluna confesso, não chega a ser nocivo,
porque lhe faltam méritos até para o mal...”
Outro grande divulgador
do epigrama na Bahia foi Aloísio de Carvalho (1866-1942), o velho Lulu Parola,
como era conhecido, com seu sarcasmo suave, a sua ironia sutil, algo malicioso,
fazendo mais rir do que chorar. Aloísio de Carvalho manteve “Cantando e Rindo”,
título de uma coluna em verso, que manteve, durante muitos anos, na imprensa,
no seu Jornal de Notícias, de outubro de 1891 a março de 1919. Vejamos uma de
suas sátiras de citação obrigatória:.
“Deu-se
uma em um tóro de madeira,
E
a ema engoliu
Deram
pedras depois. De igual maneira
A
ema os digeriu
Alguém,
após, uns ferros lhe atirou,
E
a ema os devorou
Jogaram
em seguida, o teu poema
E
a ema
(Sabem
vocês que foi que sucedeu?)
Engoliu
e morreu.”
Deraldo Dias, médico e
professor do Ginásio do Salvador, dedicou-se ao gênero com muita
espiritualidade. É de sua autoria esta esplêndida sátira ao colega de grau:
“Doutor
dos mais eminentes.
Homem
severo, impoluto,
Entre
os deveres urgentes,
Por
que não perca um minuto,
Vai
visitar os doentes
Logo
vestido de luto.”
Outro epigramista pouco
conhecido é Gilberto Guimarães, autor destes versos a um literato gordo:
“Você
diz que pesa oitenta
Quilogramas.
(Quem diria?)
Tirada
a massa cinzenta
O
peso não mudaria.”
Roberto Correia, poeta
oficial do 2 de julho epigramou:
“Forçosamente
de origem
Diabólica
ou remota
Deve
ser cor de fuligem
A
alma de todo o agiota!”
A prática de se fazer
epigrama na Bahia nesta época era tão importante, que o poeta Roberto Correia,
pseudônimo de Robison, passou a colaborar entre 22 de novembro de 1925 a 21 de
março de 1926, no jornal O Imparcial, onde publicou 51 epigramas:
“Epigramas
Iniciamos, hoje, num
cantinho diário desta página, a colaboração, em verso, sob o título acima, de
um dos mais festejados e brilhantes poetas baiano da atual geração.
Terão assim os
leitores, diariamente, oportunidade de rir ou de pensar amargamente numas
tantas realidades ridículas da vida, graças ao prestígio, muita vez ferino, das
quadrinhas do Robison, ao mesmo tempo um dos nossos líricos mais espontâneos e
queridos”. Vejamos mais dois desses epigramas:
“Sei,
nobre amigo, de sobra.
Que
ao bom artista imitais:
-
Na quantidade da obra...
-
Na qualidade...jamais!
*
* *
Há
espíritos poéticos.
Que
fazem versos exóticos:
Na
forma - sempre antiestéticos!
No
fundo - sempre caóticos!”
Outros nomes haveria
ainda a citar, como os de Castelar Sampaio, Deraldo Dias, Magalhães Neto
(1897-1969). A sátira ferina de Silvio Valente (1918-1951), que através da
coluna em versos Tabuleiro da Baiana, publicada no jornal A Tarde, assinada por
Bernardo Só e Pepino Longo, pseudônimos que adotou, abriram o riso na sociedade
baiana. Sobre o lançamento do romance A Cigana, 1949, de Edith Mendes da Gama e
Abreu (1903-1982), diz:
“Conselhos
ouve quem quer,
mas
lá vai um, D. Edith:
escreva
o que lhe aprouver,
escreva...
mas não edite.”
Sobre esse gênero muito
em voga na Bahia, tendo Pinheiro Viegas como mestre de uma geração e por tantas
vezes louvado de alta maneira como o “verdadeiro príncipe da ironia desterrado
dos bons tempos de Florença, como um Cellini, lavorando a frase, com estranhado
amor com que o criador de Perseu abria na Prata os seus primores de perene
beleza.” [1] Seu companheiro Jorge Amado o considerava “terrível
epigramista” enquanto que Raimundo Magalhães Júnior que além de epigramista o
viu como destabocado e cético.[2]
Além disso, foi neste
período, um dos únicos, ou único, a se utilizar do epigrama como meio de
ataque, o que vem explicar talvez a sua não inclusão entre os intelectuais da
época e até mesmo a sua marginalização, uma vez que entre os que atacava se
encontrava aquele de maior prestígio na Bahia: Carlos Chiacchio. “O temido
crítico de A Tarde,
cujo rodapé semanal fazia e desfazia
reputações literárias.” [3]
“A.
C. Chiacchio
Macarrão
e azeite de dendê
Óculos,
bigodes, panças, eis o dr. C. C.
Ironia!
Com
todos esses ces –
O
crítico melhor é o pior
poetaço
da Bahia.”
Ainda contra Chiacchio,
que mantinha no jornal A Tarde a
coluna “Homens e Obras”, saía às terças-feiras.
“Terço
às terças. Lusco fusco
Muitos
homens, poucas obras
Roda
mão. Caso patusco
C.
C. Macarrão etc. Cobras.”
Por causa de uma
composição intitulada A música dos bilros, de Arthur de Salles, o poeta foi
debochadamente apelidado de Arthur dos Bilros.
“Aqui
jaz Arthur dos Bilros
Poeta
de casca e pau...
Os
vermes não o comeram
Por
estar de Sangue Mau.”
Ainda sobre o poeta de
Sangue Mau, disse o epigramista baiano, que ele se tornava o sósia mental de
quantos poetas acabasse de ler e que seus livros estavam em todas as livrarias
mas em nenhuma biblioteca.
Sobre o poeta Álvaro
Reis, um figurão das letras baianas, (Grêmio Literário da Bahia, Nova Cruzada e Os Annaes),
que só fazia versos
complicados, não raro em língua francesa, atribuiu-lhe através de publicação no
O Gavião, o seguinte:
“Dialogue
Avec une femme três
jolie
(Em francês
macarrônico)
Ele – Mon amour, mon
amour, ma femme sympathique!
Ela – Entrez, mon bien
chéri, mon homme pernostique!...
Je désirais parler avec
Voronoff...”
Para Sérgio Cardoso
morto em 1933, poeta rebelde por índole e princípio, que viveu sempre sem
escolas, companheiro de boêmia, sobre seus versos escreveu:
“São
como um frasco pequeno
Teus
epigramas, que horror!
Por
fora, lê-se: “veneno”
Bebe-se
e é água de flor.”
Natural de Belmonte
(BA), Florêncio Santos, pseudônimo de Flosan, simpatizante do grupo dos Poetas
da Baixinha, mereceu de Pinheiro Viegas, inúmeros epigramas:
“De
Belmonte Flosan veio,
muito
magro, muito feio,
recomendado
ao S. Campos,
que
lhe pôs dentro dos tempos
toda
a carta de ABC...
e
outras coisas, já se vê...”
Mais este:
“–
Mamãe, me diga de tantos,
Homens
seus, quem foi papai?
–
Florêncio, qualquer dos Santos
De
Belmonte foi teu pai.”
Ainda sobre Flosan:
“Nesta
cidade malsã
O
clima é senegalesco
Mas,
agora entrou um fresco
Chegou,
há pouco, o FLOSAN.”
Quando Florêncio Santos
publicou Imagens que Dançam; Viegas disse:
“Imagens
que dançam”, duas,
O
samba carnavalesco
Vejo
em croniquetas suas
Assinadas
F. o fresco.
Sobre Nonato Marques,
João Amado Pinheiro Viegas, escreveu:
“Non
Nato, eis o feto literário
que
não chegou a ver a luz.”
Sobre Elpídio Bastos,
companheiro do grupo dos Poetas da Baixinha, autor do livro de poesia
Inquietação, disse Viegas:
“Os
pretos estão agora fazendo versos brancos.”
Ainda sobre Elpídio
vamos encontrar mais um epigrama, quando este publicou Centelhas:
“Poeta
de centelhas
O
preto, à noite, a chuva eram um carvão molhado
Sem
telhado.
Lá
fora, à noite, a chuva, é um preto sem telhado.”
Além de ser mal pago
como jornalista e enfrentar uma série de dificuldades financeiras, recebia o
pagamento em parcelas, o que levou a fazer estes epigramas, contra os donos do
jornal em que trabalhava. As quadras foram para os dois jornalistas, Mário Simões
(diretor de redação) e Mário Monteiro (diretor financeiro), que haviam na época
adquirido o antigo jornal O Imparcial, para o lançarem em nova fase.
“Depois
de Mário o primeiro
Outro
Mário não faz mal
São
quatro mãos no dinheiro
E
quatro pés no jornal.”
E ainda:
“Dentre
as folhas amarelas
A
melhor é o Imparcial
Mas,
como paga em parcelas,
Só
pode ser parcial.”
Ao famoso Café das
Meninas, que era o ponto de encontro preferido todas as tardes com o seu grupo
literário, certa vez chegou o jornalista Jonatas Milhomens, que frequentava a
roda boêmia de Viegas, tirou de uma velha pasta um volumoso trabalho, e
pediu-lhe para que lesse e desse a sua opinião. Pinheiro Viegas não se fez de
rogado, passou a ler o extensivo original. Após a leitura, perguntou o Jonatas
muito ansioso. - Então mestre, gostou? Depois de um longo silêncio Viegas
respondeu:
“Coitado,
mil homens, todos analfabetos!”
Em 1929, dirigiam A
Notícia, Emanoel Santana e Ciro Rodrigues Filho, tendo como financiadores
Bráulio Xavier, governador da Bahia em 1912 e Frederico Costa. Este jornal
defendia Vital Soares, governador da Bahia (1928-1929), sendo, portanto, contra
a Aliança Liberal, de que Viegas era partidário, fato que mereceu os seguintes
epigramas:
“Ponham
já ácido fênico
Nesta
folha vitalícia
–
Vendem papel higiênico?
–
Não, doutor. Compre A Notícia.
*
* *
O
Xavier disse ao Costa
–
Neste caso, é melhor mandá-los à polícia
A
Notícia: Rodrigues e Santana
encobriram
a bosta.”
Segundo depoimento de
seus companheiros de grupo, Pinheiro Viegas, gostava de caracterizar-se como
homossexual, como uma maneira de afrontar a moral vigente. Viegas fez um
epigrama para Augusto Silva Filho, estudante de Direito, porque este fez um
poema onde insinuava ser Pinheiro Viegas um homossexual. Mostrou-o a Viegas,
que lhe respondeu: “Em geral as premissas literárias se oferece aos pais”,
respondendo com o seguinte epigrama:
“Para
escritor não tem jeito
Filho
José Silva Augusto
estudante
de Direito
por
empenho e muito custo.”
Na verdade, quanto a
ataques, pouca gente escapou à sátira de Pinheiro Viegas. Foi chamado na época
do novo Gregório de Mattos, devido não só ao mesmo estilo utilizado por este
para criticar, como pela fúria com que atacava. Segundo Grieco, ele “era feroz
com os medalhões... crivava de farpas e sarcasmo as figuras da vida pública e
das letras baianas.” [4]
Contra Antônio Muniz
Sodré de Aragão (1881-1940) expressiva figura no cenário político nacional,
quando este veio dirigir o Diário da Bahia, antes de 1930:
“Do
Rio à Bahia veio
Velho
escritor furibundo
Dois
quilômetros e meio
Em
cada artigo de fundo.”
Contra D’ Almeida
Vitor, conhecido como Tíbias Flores, fez uma conferência com o título “Hermes
Fontes, O Divino Desgraçado”. Viegas fez então o epigrama:
“D’
Almeida Vitor, menino,
Tíbias
Flores reputado
Hermes
Fontes foi divino
Tu
que és burro, és desgraçado.
Ainda
com D’ Almeida Vitor:
D’
Almeida Vitor, vitrolas
Vitrolas
Vítor D’ Almeida
Foi
a Sergipe, ora bolas!
e
fez lá a sergipeida.”
Merecem destaques ainda
estes versos escritos por Pinheiro Viegas contra D’ Almeida Vitor, publicados
na coluna “Jardim Suspenso” d’O Jornal.
“Edgar
Victorando
Para
o Tíbias Flores
Lá
na Escola de Sargentos
Vai
passar vários tormentos...
Ó
vida cachorra e porca!
Mas
no quartel não se enforca!”
Contra o baiano Vital
Henriques Batista Soares, senador estadual (1925), deputado federal (1926) e
Governador da Bahia (1928-1929), a respeito de Discursos e Conferências:[5]
“Leiam
V. Exc., mais um livro original
Discursos
e Conferências. Autor: fulano de tal.”
Sobre o chanceler
Otávio Mangabeira (1886-1960); autor do livro Halley e o Cometa de seu nome
(Precedido de um breve estudo, preparatório e geral, sobre o céu e os corpos
celestes, particularmente os cometas), publicado em 1910, diz o seguinte:
“Político; escritor,
diplomata, engenheiro.
Na Bahia era astrônomo
Mas, em todo o Brasil o
Otávio era o primeiro gastrônomo.
Ministro dos
estrangeiros, palácio Itamarati
a língua dos
brasileiros é língua bunda ou tupi.”
Sobre seu irmão João
Mangabeira (1880-1964), também político, e discípulo de Rui Barbosa, tendo
inclusive participado ativamente da campanha civilista, apoiando sua
candidatura presidencial, mereceu de Viegas com muito humor este epigrama:
“Que
fúnebre orador é o Jota Mangabeira !
É
capaz de falar dez horas de relógio !
É
sempre a mesma coisa, é sempre o necrológio,
do
sogro bonachão de Batista Pereira.”
Sobre o jornalista
Henrique Câncio, cronista social de A Tarde, onde assinava com o pseudônimo de
Maria Lúcia, diz Pinheiro Viegas:
“Sou
Maria Lúcia às vezes,
na
Bahia, ou em Bizâncio,
Barriga
de nove meses,
enrique...
sendo, sou Câncio.”
Quando o escritor
Afrânio Peixoto (1876-1947), publicou o livro A Esfinge, em 1911, alcançando grande sucesso de crítica e de
livraria, Viegas não perdoou o imortal:
“Médico,
escrevente, canhoto,
tudo
que escreve, sai torto.
Deu
a luz, não, foi aborto,
d’
“A Esfinge” Afrânio Peixoto.”
Sobre Epaminondas de
Souza Pinto, organizador do livro Rui e a Poesia Nacional, publicado em 1949,
onde vamos encontrar o poema de Pinheiro Viegas, Saudação a Rui Barbosa, de
1916:
“O
general Tebano nem brincando mentia
o
prof. baiano nem brincando fala a verdade.”
Com a Revolução de 30,
vários políticos assumiram cargos administrativos na Bahia, vindos de outros
estados, como o Governador (interventor) Juracy Magalhães, o Chefe de Polícia
João Facó e o Delegado Auxiliar Hanequin Dantas, todos cearenses. E Viegas não
perdoou os intrusos:
“Bahia
os viu bem “ruim”,
magros,
feios, amarelos;
três
flagelados, flagelos,
Juraci,
Facó e Hanequin.”
Dois farmacêuticos
inexplicavelmente resolveram adotar a profissão de jornalista, nas páginas do
jornal A Noite, para apoiar o governo de Góes Calmon, em troca do silêncio
sobre o descalabro político. Como recompensa receberia benefícios oficiais, o
que revoltou Viegas:
“As
bocas cheias de rolhas,
boticas
em velhos prédios...
Fazem
remédios de folhas,
e
fazem das “folhas” remédios.”
Sobre
A Noite
mesma
diria ainda:
“Não
leio A Noite
porque
sou míope.”
Ao jornalista Fuão dos
Santos:
“Fuão
dos Santos não pode
De
um bode tirar a vida.
Mulato
que mata um bode,
Com
certeza, é parricida.”
Muito hostilizado nos
epigramas do poeta maldito, foi o professor Edgar de Raggio Ribeiro Sanches
(1892-1972):
“Sanches
ou Sancho. De acordo
Pan’ca
ou pancismo. Percebo
Tenho
sebo de homem gordo
Sebo.
Sebo. Sebo. Sebo.”
Diria o político gaúcho
João Neves da Fontoura (1887-1962), Pinheiro Viegas nos deixou essa quadra:
“Tal
mal escreves,
Não
falas bem.
Oh!
João Neves,
João
Ninguém...”
Certa vez, se queixou
para os companheiros de boêmia da dureza do assento do Café Progresso (Baixa
dos Sapateiros, 7/9, filial, Rua Dr. J.J. Seabra, 269): Além de tudo, esse Café
Progresso deixa o freguês possesso com esse acento agudo.
Mais quadras de Viegas:
“Um
verme a outro verme disse:
-Você
vai comer um vate?...
-Ora
deixe de tolice -
esse
é de chocolate.
*
* *
O
meu copo de absinto
é
o meu mundo fictício
sou
paxá mandarim, sibarita nababo.
*
* *
Lírica
a musa antiga
anda
à mercê da lua
Está
quase a chorar..
Ponho-a
fora na rua.
*
* *
Triste,
olhando à janela o plenilúnio e o Atlântico.
*
* *
Eu
tenho em minhas mãos
das
suas mãos o aroma.
Tenho
na minha boca
o
beijo da sua boca.
*
* *
O
português pôs na preta,
chopin
de chopp chupeta,
o
camundongo mulato,
rato...
rato... rato... rato...”
Sobre o poeta
pré-modernista Átilo Milano (1897-1955), que exerceu intensa atividade
jornalística no Rio de Janeiro, colaborando em diversas publicações, Viegas
disse: “Você não passa de um mau pizzicato de violino de seu pai”.
Sobre Hermano Santana,
filósofo e beletrista, que usava o nome suposto de Lúcio de Montalvão, e que
fisicamente, era bastante gordo, disse Viegas:
“O
grande chapéu gri, talento nunca visto,
É
o grave diretor do jornal “A Banana”
A
banana,
Mas,
enfim, por ser mano de Santana,
Lúcio
de Montalvão é tio avô de Cristo.”
Versos dos menos
divulgados, mas dos mais impiedosos, este epitáfio cuja vítima era gago, cujos
inimigos apontavam como dado a práticas homossexuais, reprováveis na época:
“Vendo
o vate sepultado
Disse
um verme enfurecido:
–
isto é trabalho baldado!
O
gago já foi comido.”
O certo é que Pinheiro
Viegas escreveu um número incalculável de epigramas, em sua maioria não
publicada, pois muitos ficaram perdidos nas redações dos jornais ou nas mesas
de bares, através do “jornal falado”. “Dali saíram os epigramas que circulavam
na cidade e punham de orelha em pé literatos, políticos e outros figurões que
ocupavam as páginas dos jornais e os cargos políticos.” [6]
Em 1937 Viegas
encontrava-se gravemente enfermo. Era aliado da candidatura pela Aliança Nacional
Libertadora do escritor José Américo de Almeida para a presidência da
república. Por esse motivo, não poupou o candidato adversário:
“Senhor
de Sales,
Muito
gentil,
Armando
males
Para
o Brasil.”
NOTAS
1. LIMA, Herman,
Roteiro da Bahia (Da Arte do Epigrama, 59-63). Salvador, 2ª ed. Imprensa
Oficial da Bahia, 1969.
2. AMADO, Jorge e
MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Jorge Amado; documentos. Rio de Janeiro. Pub.
Europa-América, 1970.
3. AMADO, Jorge,
Revistas e Movimentos Literários, Revista da Academia de Letras da Bahia.
Salvador, nº 34, p. 5-7, jan. 1987.
4. GRIECO, Agripino,
Evolução da Poesia Brasileira, Boletim de Ariel. Rio de Janeiro, 1932.
5. SOARES, Vital
Henriques Batista. Discursos e Conferências (org. A. Brandão). Rio de Janeiro,
Leite Ribeiro, 1929.
6. MORAIS, Santos. O
Grupo de Pinheiro Viegas fez o Movimento Modernista na Bahia. Jornal Para
Todos. Rio de Janeiro, Ano II, nº 31, 2ª quinzena de agosto, p. 14, 1957.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CALMON, Pedro. 1949.
História da Literatura Bahiana. Rio de Janeiro, José Olympio.
CAMPELLO, Cristina
Maria Teixeira. 1971. Pinheiro Viegas e a Academia dos Rebeldes. Salvador,
Universitas, n. 10, set-dez, p.65-93.
GILFRANCISCO. 1999.
ReVisão de Pinheiro Viegas – nas Agremiações Literárias na Bahia, anos vinte.
Trabalho de conclusão do Mestrado em Letras, na UFBA. não apresentado.
LINS, Wilson. 1999.
Musa Vingadora.Salvador, Universidade Federal da Bahia e Assembléia Legislativa
do Estado da Bahia.
MACHADO NETO, Antônio
Luís. 1972. A Bahia Intelectual (1900-1930). Salvador, Universitas, n.12/13,
mai-dez, p. 261-305.
MARQUES, Nonato. 1994.
A Poesia era uma festa. Salvador, GraphCo.
SODRÉ, Nélson Werneck.
S/D. Orientações do Pensamento Brasileiro. Rio de Janeiro, Casa Vecchi.
SPINOLA, Lafaiete.
1943. Harpas e Farpas. Salvador, Livraria Progresso.
________________
GILFRANCISCO:
jornalista, pesquisador, professor da Faculdade São Luís de França e membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Publicou: Gregório de Mattos,
o boca de todos os santos; Crônicas & Poemas recolhidos de Sosígenes Costa,
Flor em Rochedo Rubro, o poeta Enoch Santiago Filho, Musa Capenga, poemas de
Edison Carneiro; O poeta Arthur de Salles em Sergipe; Godofredo Filho & o
Modernismo na Bahia, entre outros. Texto publicado em A Tarde Cultural, 15
de dezembro de 2001.
E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com
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