Pinheiro Viegas na imprensa
do Rio de Janeiro
(Pesquisa realizado na
Fundação Biblioteca Nacional)
GILFRANCISCO
“Fico
satisfeito em saber do seu trabalho sobre Pinheiro Viegas, injustamente
esquecido agora. Ele bem merecia esse seu trabalho.
Quase ninguém o
conhece fora da Bahia e do círculo dos que o conheceram ou viveram a sua época.”
Rio de Janeiro, 6 de julho de 1998
Nelson Werneck Sodré (1911-1999)
I.
Segundo o crítico Américo Jacobina
Lacombre (1909-1991), autor de Afonso Pena e seu tempo, em ensaio Literatura e
Jornalismo, publicado in A Literatura no
Brasil (1986), org. por Afrânio Coutinho (1911-2000):
Os
panfletos no Brasil vão constituir uma perigosa e eficiente arma de propaganda
política. Nas campanhas nacionalistas, nas discussões de caráter doutrinário
entre ortodoxos e dissidentes em religiões, na atividade maçônica, na luta entre
a Coroa e a Assembleia, nas acesas polêmicas políticas da Regência, na
propaganda pela maioridade, o panfleto medra e frutifica. A polêmica foi
outrora mais praticada no Brasil.
E Pinheiro Viegas foi um polemista por
temperamento e o brilho dos debates atraia a atenção de muitos leitores. Como
muitos da época faziam imprensa um pouco à boêmia, misturando com a literatura,
pois os jornais e revistas ainda não dispunham de tabelas fixas para salários e
isso o levava uma vida financeira precária, às vezes pernoitando na própria
redação. Viegas travou algumas polêmicas marcantes em jornais baianos. Mas a de
1925 teve destaque na imprensa local, quando travou acirrada discussão com J.
C. Ferreira Gomes, por causa do artigo Chistus Imperat, de Otávio Mangabeira
(1886-1960) publicado no jornal A Tarde em 9 de abril, 1925 e n’O Jornal (RJ)
em 6 e abril, 1928. Ferreira Gomes saiu em defesa de Otávio Mangabeira,
político baiano que ocupou os mais altos postos a que um político pode aspirar.
A peleja ficou em torno dos jornais O Imparcial e o Diário da Bahia. Viegas
utilizou vários pseudônimos, alguns como: Maurício D’Ávila, M. X. & Cia,
Sophos de Arnauld, Jorge Belfort, Silvio Rizzi, Hermani Rosas Juca Moreno,
Arthur dês Fois entre outros.
Epigrama, pequena composição poética em
que predomina a expressão de um pensamento incisivo. De origem grego-latina
significa inscrição, por isso eram na Grécia clássica, inscrições gravadas em
túmulos ou monumentos. Em Roma os epigramas adquiriram um sentido satírico e
essa tendência chegou ao auge co Marcial (Marcus Valerius Martialis, 38 ou
41-102 ou 104). O conjunto de sua obra tem caráter satírico, mas o poeta
procura não ofender a ninguém pessoalmente e encobre com pseudônimos as vítimas
dos seus ataques. Outro poeta de destaque, Juvenal (Decimus Junius Juvenalis:
60?-130?) escreveu dezenas de sátiras, nas quais, com realismo e alguma
violência, censura os vícios da época ou discorre sobre questões de moral.
Essas sátiras foram agrupadas em cinco livros.
João Amado Pinheiro Viegas nasceu na
Bahia em 11 de setembro de 1865 e faleceu em Salvador no subúrbio de Itacaranha
em 27 de novembro em 1937 conforme Nota publicada no Correio do Povo:
Em 12 de setembro o Correio do Povo
publicou nota sobre o aniversário de Viegas e pela primeira vez foi mencionado
o dia e o mês do seu nascimento, antes nunca revelado:
Pinheiro
Viegas – Festejou ontem, com muito brilhantismo, por parte de seus inúmeros
amigos e admiradores, que lhe promoveram significativa homenagem, pelo seu
aniversário natalício, o nosso prezado amigo e colaborador Pinheiro Viegas,
nome demasiado conhecido no jornalismo pátrio, como poeta e polemista de
méritos incontestes. O Correio do Povo apresenta-lhe sinceros parabéns.
(Correio
do Povo. Salvador, 12 e setembro de 1925).
Bacharel em Letras residia na Bahia na
Ladeira da Soledade próximo ao Largo da Lapinha, onde ministrava aulas
particulares, conforme anúncio publicado em jornais da época:
Pinheiro Viegas participa aos seus
discípulos que já abriu seu curso de preparatório no dia 7 do corrente. O curso funcionava à Rua da Soledade, 45.
(Diário
do Povo em 1º de fevereiro de 1889)
Outro endereço de Pinheiro Viegas
informado em 1925 pela imprensa baiana em que residia no Largo do Tanque nº
548, bairro popular de Salvador que dava acesso a Baixa do Fiscal, Fazenda
Grande do Retiro, São Caetano e Liberdade.
Veigas viveu entre Bahia e a capital
federal, onde desenvolveu várias atividades paralelas ao jornalismo para
sobreviver. Teve uma companheira de nome Idalina Maria dos Santos, mãe de
quatro dos seus filhos: Mário Viegas (comerciante de peixe), Arthur, Juvenal
Amado Viegas (1888-1952), Maria Angélica e uma neta. Em 1932 encontrava-se
internado num hospital público da Santa Casa da Misericórdia - Hospital Santa
Isabel - completamente cego.
Segundo o Correio do Povo (órgão
independente, noticioso e informativo), de Salvador em sua edição de 13 de
agosto de 1925, inicia o concurso “Qual, o príncipe dos poetas baianos?” E
apresenta na edição de 22 de agosto o seguinte quadro:
Pinheiro Viegas (19 votos); Lydio Santos (11 votos); Jerônimo
Sodré Viana ( 05 votos); Roberto Correia (08 votos); Artur de Salles (02
votos); Altamirando Requião (01 votos). Em 30 de setembro Pinheiro Viegas
liderava com 136 votos.
Revelando desde cedo sua rara
inteligência e aplicação dos estudos, teve boa formação literária. Leu os
poetas malditos franceses: Baudelaire, Corbiése, Rambaud, Verlaine, além dos
grandes humoristas: Shaw, Pirandello, Pio Baroja, Maurice Dekobra, Pitogrilli.
Sobre o humorismo disse ser em Brasil Prosa e Verso (1931) “paraíso artificial
na Arte, substitui as visões de outro mundo melhor, o ópio, o haxixe, o álcool,
a cocaína”.
O primeiro registro sobre Pinheiro
Viegas fora do Estado da Bahia, localizado durante a pesquisa para elaboração
desse estudo preliminar é de 21 de março de 1885 na Gazeta da Tarde, do Rio de
Janeiro informa que na próxima segunda-feira, dia 23 do corrente viaja para São
Paulo João Amado Pinheiro Viegas, que vai matricular-se na academia de direito
daquela cidade. Um ano depois, em 10 de abril, o Diário de Notícias, do Rio
informa que “segue hoje para Pernambuco, onde vai continuar seus estudos de
direito, o acadêmico João Amado Pinheiro Viegas”.
Na capital federal, onde se tornou logo
conhecido desde o seu desembarque, em fins do século XIX, era um frequentador
assíduo da Livraria Schettino, situada na antiga Rua Sachet. João Amado
Pinheiro Viegas, por ocasião do governo de Prudente de Morais (1841-1902) publica
em versos com Xavier Pinheiro o panfleto O
Biriba, em que era alvejado o primeiro presidente civil da República. No
Rio de Janeiro, Pinheiro Viegas levou uma vida agitada e meio misterioso, que
nem mesmo os seus amigos mais chegados nunca conseguiram conhecer em seus
detalhes. Segundo alguns companheiros de tertúlias o poeta morava pelas bandas
do cais Pharoux, num cubículo mal iluminado e cheio de livros. Agripino Grieco (1888-1973)
amigo inseparável do poeta maldito revela em suas Memórias publicadas em 1972:
Uma
tarde, fez questão de levar-me ao cubículo infecto da rua do Mercado, onde
dormia numa rede, entre duas cadeiras pernibambas, mas onde se destacavam, numa
estante. Não de todo desgraciosa, volumes riquissimamente encadernados em
França, dos seus poetas blasfemos, malditos, Baudelaire, Verlaine, Corbière,
Rimbaud, volumes que ele não venderia por preço algum mesmo em dias de fome
agudíssima.
Pinheiro Viegas publicou vários
panfletos políticos e literários que nos dão uma ideia do espírito ferino do
satânico epigramista, cujos numerosos epigramas verbais deram-lhe fama e cuja
vida foi uma série de cutiladas no ventre dos poderosos ridículos e dos
literatos de fôlego curto. O crítico literário Agripino Grieco, dedicou-lhe um
capítulo no livro Evolução da Poesia
Brasileira e diz que seu nome, por volta de 1910, foi popular no Rio de
Janeiro. Entusiasta de Rui Barbosa (1849-1923) publicou também os versos: Poemas da Carne, Beatriz, Os Boêmios.
De regresso à Bahia, Pinheiro Viegas
deixa o Rio de Janeiro, depois de uma rápida estada em Minas Gerais, onde
exerceu o magistério público. Viegas retorna definitivamente a Bahia no início
dos anos vinte, sendo impossível precisar a ano com segurança, passando a
trabalhar no jornal O Imparcial entre (1925-1927) e no final da década n’O
Jornal, época em que participa de duas agremiações literárias, Grupo da
Baixinha (1928) e Academia dos Rebeldes (1929). O contista de Canção do Beco (1939) e Mirante dos Aflitos (1960), Dias da
Costa, recorda sobre seu ingresso na Academia dos Rebeldes, justifica quando
entrevistado por Santos Morais, que vivia então entre os salões de bilhares e
cabarés e outros lugares escusos:
Ali,
sob o comando de Pinheiro Viegas, se praticava, com admirável eficiência, o
fascinante esporte de falar mal da vida alheia. Dali saiu os epigramas que
circulavam na cidade e punham de orelha em pé literatos, políticos e outros
figurões que ocupavam as páginas dos jornais e os cargos públicos.
Durante alguns anos fulgurou como um dos
expoentes da vida literária de jovens baianos aspirantes a escritor: Jorge
Amado, Guilherme Dias Gomes, Da Costa Andrade, Edison Carneiro, José Bastos,
Walter da Silveira, Alves Ribeiro e outros. Mas a inveja dos adversários o
caluniou de corromper os jovens que viviam em torno de si. Em resposta a Carta
aos Rebeldes, de Pinheiro Viegas, Dagmar Pinto afirma em artigo no Diário da
Tarde de 26 de abril, 1930:
Insinuou
você no espírito da mocidade essa ideia desarrazoada da Academia dos Rebeldes.
Desejará você, à carta de inovações geniais, pontificar nova doutrina, como
outrora o fez Platão n jardim de Academus? (...) Continua mais adiante, Não
queria ‘inutilizar’ os meninos bonitos que ainda não sabem pensar, mas já sabem
escrever.
Viegas é um homem incorrigível, morreu
antes de morrer, porque foi enterrado pelo silêncio adentro, na ingratidão da
doença que lhe causou a cegueira e amputação de uma das pernas. Ele sofreu no
enterro oficial uma morte silenciosa, sem grandeza, encerra vidas agitadas,
intensas e marcantes.
Os relatos aqui apresentados, não lhe
tira o sabor de novidade, não lhe diminui o mérito intrínseco, realmente fora
do comum. Pinheiro Viegas assegurava-se um temperamento positivo, de demolidor,
de crítico e de revoltado que entrou no jornalismo ou, antes, no panfleto, à
maneira de seu mestre, o conterrâneo Gregório de Mattos (1623-1696), a
verdadeira moldura do seu espírito. É incontestável que desperta ódios ou
animosidade, pelo seu feito agressivo de um personalismo. Portanto, tudo quanto
consegui foi reunir essas palavras esparsas, sumárias e informes, para registrar
a presença de Pinheiro Viegas no Rio de Janeiro. Espero ter dado a minha
contribuição pela passagem dos 80 anos e sua morte, pelo menos identifiquei a
contribuição de tantos e tantos.
I I
Apesar de ter sido publicado na Bahia, o
folheto teve grande repercussão na capital federal. República, do latim rés
publica, forma de governo em que a constituição e a organização política são
exercidas durante tempo limitado por um ou mais indivíduos eleitos direta ou
indiretamente, pela nação e investidos de determinadas responsabilidades.
Vejamos Nota sobre publicação do panfleto A
Re Pública – Carta ao Marechal Deodoro, em que protestando contra o
militarismo dos primeiros tempos da República e anunciando uma explosão
revolucionária “pela miséria, o terror, a fraude e a corrupção”:
A
Re Pública – É o título de um panfleto que temos entre mãos, em estilo
epistolar bem metrificado em alexandrinos e dirigido ao Sr. marechal Deodoro,
assinado por Pinheiro Viegas.
Não
sabemos onde foi impresso, com toda a certeza o impressor, cidadão garantido
pela nossa Constituição republicana receiou, o que ?
Alguma
empastelação.
(Pequeno
Jornal. Rio de Janeiro, 21 de maio de 1891, nº374)
Ainda sobre o folheto A Ré Pública, A Cruzada (Diário
Político – Religioso, Literário, Comercial e Noticioso), editado por Carlos
Joaquim da Silva, comenta:
Lê-se
no Brasil:
Acabamos de lê uma carta, em verso, tendo por título – A ré
pública e endereçada ao Sr. marechal Deodoro pelo Sr. Pinheiro Viegas, do
Estado da Bahia.
O poeta é um democrata de pura água, detesta a fidalguia, e
vendo-a implantada nesta república, principia manifestando-lhe sem rebuço a sua
aversão:
Marechal, sou plebeu, um simples democrata.
Um forte coração, uma alma intemerata,
Eu jamais me curvei a um rei ou ditador
Nunca
tive ambições de ser comendador.
Barão, duque, marquês. Detesto a fidalguia.
Odeio o sangue azul e esta aristocracia,
Que campeia entre nós, assim, com altivez!...
É grande cobardia, estranha insensatez.
Ninguém vir protestar contra o nefando crime,
Que a todos nos suplanta e a todos nos oprime!
Desenha um quadro das corrupções e das hipocrisias da
república “que rasga no can-can as saias de veludo” e ao Sr. marechal
presidente dirige energia apostrofe.
E pergunta:
Por que vós consentis assim impunemente
Aviltar a nação com jugo prepotente
Dos
vossos cortesãos, ministros e fascistas,
Democratas
que são no fundo monarquistas,
Hipócritas,
sandeus, bandidos, argentários,
Palhaços
e ladrões, fidalgos, mercenários
Infames
histriões, curvados abissínios,
Que
vem das podridões e dos estequilinos?
Tanto
nunca dissemos dos ilustres adesistas!
A
fibra patriótica do jovem poeta vibrou indignada com a negociação do Sr.
Bocaiuva e com as especulações da Bolsa:
Para
salvar da Pátria a triste ruinaria
Das
ondas colossais da velha oligarquia
É
preciso titãs, preciso é lutadores...
Abaixo
a Ditadura! Abaixo os Ditadores!
Para
longe de nós os triviais mandões,
Que
vendem com desplantes as terras das Missões
Por
um punhado d’ouro aos monstros do egoísmo!...
Para
longe da Pátria os corvos do cinismo,
As
hostes da desonra, as hostes assassinas,
Que
vivem de explorar tesouros nas ruínas!...
Preciso
é reagir, preciso é dar batalha,
Contra
o velho terror da grande e vil gentalha,
Que
tem mil europeus, palácios e festins,
Como
os grandes pachás e os nobres mandarins,
Que
traz gravata branca e luvas de pelica
E
tem ostentações de messalina rica...”
Longe
iríamos com mais extensas transcrições. O poeta deve estar julgado pelos
entendedores. Quanto a nós francamente lhe reconhecemos veia e coragem. Dizer
agora certas verdades é mais perigoso do que no tempo da escravidão monárquica.
Como
todo o moço, o Sr. Pinheiro Viegas vê no futuro a república que sonhara e que,
semelhante a visão do Castro Alves, deve de ser.
“Alva,
grande, ideal lavada em luz estranha....”
Não
é esta, não, de certo, e daí as suas cóleras... Antes, porém, de atingir a
terra prometida parece que teremos feias lutas. É ainda o poeta quem no-lo
vaticina:
“A
miséria, o terror, a fraude e a corrupção!
Fermentam
no Brasil grande Revolução!”
Com
estes versos acaba a carta poemeto, e também aqui ponto final nesta notícia.
Aos
pintores e poetas confere o velho horário muitas faculdades. Ainda bem quando
delas se aproveitam para alar bem alto aos devastadores da Pátria!
(A
Cruzada. São Luiz do Maranhão, Ano II, nº 211, 26 de junho de 1891).
Em 25 de maio de1891 é registra no
Porto do Rio de Janeiro, que no Paquete inglês Madalena, Pinheiro Viegas
viajava com sua família. Em 30 de junho a Gazeta da Tarde informava o
falecimento do seu pai no dia anterior:
Faleceu
ontem às 10 horas da manhã, sucumbindo a uma lesão cardíaca o Sr. João Moura
Viegas, pai do Sr. Pinheiro Viegas, do Diário do Comércio.
(Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 30 de junho, 1891).
Mais notícias sobre o
lançamento de A Ré Publica – Carta ao Marechal Deodoro, por Pinheiro Viegas.
Mas quem é o Marechal Deodoro? Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892), marechal
e político brasileiro, participou em 1848 da Revolução Praieira em Pernambuco,
e da brigada expedicionária enviada ao Prata, em 1864 e da campanha do
Paraguai, atuando nas batalhas de Itaípu, Estero Bellaco, Tuiuti,
Potreiro-Ovelha e Togi, em 1866. Avultando à época a propaganda republicana e a
chamada questão militar, incorporou-se ao movimento na manhã de 15 de novembro
de 1889, comandou as tropas que cercaram o quartel-general, onde se reunia o
gabinete do visconde de Ouro Preto. Proclamada a República, tornou-se chefe do
governo provisório até 25 de fevereiro de 1891, quando foi eleito pelo
Congresso Constituinte primeiro presidente constituinte do Brasil:
No
próximo número daremos uma notícia desenvolvida deste panfleto, escrito à
dinamite.
O
que desde já podemos garantir ao leitor é que o Sr. Viegas tem sangue nas
guelras, e, profundo admirador de Guerra Junqueiro, segue-lhe quase que pari-passu
o metro rijo do alexandrino forte.
(Revista
Ilustrada. Rio de Janeiro, Ano 16, nº 625, julho, 1891).
Publicado na seção “Livros que Chegam”
da Revista Ilustrada, do Rio de Janeiro, o panfleto do poeta baiano continua
despertando curiosidade nos críticos:
Vimos
de ler, com a nossa clama habitual, a Ré Pública, carta, em alexandrinos,
dirigida ao Presidente da República, pelo Sr. Pinheiro Viegas.
O Sr. Viegas mostra ser um moço inteligente e bem
intencionado com relação aos destinos da nascente república. Todavia o calor da
escrita, as desilusões que lhe assaltaram o espírito em tratando de assuntos
políticos de máxima importância, fizeram-no descambar um pouco para o terreno
do sentimentalismo. Assim, verbera contra o procedimento regular e correto do
governo provisório por ter este mandado fora do país à família imperial e
cidadãos influentes na política decaída, esquecendo-se, por conseguinte, o
inteligente moço, que semelhante medida se fazia urgente no momento melindroso
por que passava o estado social da nacionalidade brasileira.
Que fez até banir cidadãos prestantes.
Que fez logo exilar os próprios inocentes.
Banindo do Brasil um rei, Pedro segundo.
O nobre cidadão, o cidadão antigo,
Monarca liberal, nosso melhor amigo,
Que não se fez Pachá e não criou Bastilhas,
Iludido, sabeis, por essas camarilhas!
Não acreditamos que haja nesse modo do encarar o assunto a
domínio exclusivo da calma espiritual e da razão. Em tais análises, de fato
consumado e sancionado pelo senso comum, o crítico deve-se colocar acima das
explosões sentimentais para melhor ferir, com o estilete da critica, o fim a
que se dirige. Era preciso mandar longe do país uns tantos homens que, fatalmente,
prejudicariam a marcha normal do governo republicano proclamado recente.
Procedendo desta arte, andou bem avisado o governo provisório. Eis o fato.
Depois, o ilustre moço entra numa ordem de considerações
apaixonadas umas, de perfeito acordo outras.
Quanto ao modo de fazer o alexandrino, o Sr. Viegas é um
copista de guerra Junqueiro. Ai está um mal que não lhe perdoamos Sr. Viegas.
Quem possui inteligência e se mete a fazer um trabalho literário, qualquer que
ele seja, tem o restrito dever de ser original. Quando não, é preferível, e
mais laudável mesmo, recolher-se ao silêncio em que vivia.
Quem rouba o pão do ensino às louras criancinhas
Mais brancas que o luar, leves como andorinhas,
Feitas de cousas sãs, olímpicas, suaves,
De perfumes sutis e de gorjeios d’aves,
Uns
trechos musicais de carnes e perfumes.
Ai
está um trecho tirado em princípio do livro tresandando à cópia quase fiel dos
extraordinários alexandrinos do grande poeta português.
E,
no entanto, o Sr. Viegas podia nos dar um trabalho seu, uma obra d’arte digna
dos nossos tempos. Não o quis fazer, tanto pior para si que não passará da
popularidade de meia dúzia de conhecidos.
(Revista Ilustrada. Rio de Janeiro, Ano 16, nº626, agosto,
1891)
O artigo assinado por J. A. Xavier
Pinheiro e publicado pelo Pequeno Jornal, afirma o seguinte:
Já
que falei em poeta, é minha obrigação agradecer ao talentoso baiano Pinheiro
Viegas a vigorosa carta que enviou ao Sr. Deodoro, intitulada A Re-pública.
Feita em luminosas e vibrantes alexandrinos, a carta de
Pinheiro Viegas é um atestado bastante eloquente de másculo talento. Devemos
esperar do inspirado poeta obra de maior realce, para fazermos a continência
que merece o seu talento invejável.
Poucos poetas manejam o alexandrino como Pinheiro Viegas e o
modo dele vibra-lo é unicamente próprio a um Guerra Junqueiro.
Pela sua carta afirmamos axiomaticamente que temos um poeta
original e que em pouco tempo terá conquistado saliente lugar na roda dos bons
mestres de rima e do verso.
Pinheiro Viegas brevemente publicará um volume de versos
originais e que terão o título de – Sarcasmos.
Há de ser um sucesso para o jovem poeta baiano de letras, e
bastante conhecido do Pequeno Jornal.
(Pequeno Jornal. Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1891,
nº519)
O País, da capital federal datado de 5
de abril de 1892, trás a seguinte comunicado:
Foram
nomeados: Jacintho Augusto Neves, José Emílio de Almeida Mello, João Amado
Pinheiro Viegas, Primitivo Valeriano de Uzeda, Américo Ribeiro Penna e Manuel
Eugênio Pereira Maia, inspetores de alunos do Colégio Militar.
(O Paiz. Rio de Janeiro, 5 de abril de 1892)
Vejamos o comunicado do Ministério da
Guerra exonerando alguns inspetores:
Foram
exonerados, a pedido, de inspetores de alunos do Colégio Militar, José Emilio
de Almeida Mello e João Amado Pinheiro Viegas e nomeados para substituí-los,
Américo Horácio dos Santos e Arnaldo Sturnio Antunes.
(Jornal do Comércio. Rio de Janeiro de 4 de junho de 1892)
Observamos que imediatamente a sua
chegada ao Rio de Janeiro, Pinheiro Viegas passa a receber bons comentários
sobre sua produção poética e a pertencer a um novo ciclo de amizade:
Pinheiro
Viegas, moço de muito talento, poeta de raça, bastante conhecido na imprensa
baiana como um polemista e como prosador correto, tem prestes a entregar no
prelo, uma coleção primorosa de versos decadentes, que será aqui no Brasil, o
primeiro da escola que deu nome a Malarmé e Verlaine, em França e em Portugal a
Antonio Nobre, Guerra Junqueiro e outros.
Será um sucesso para as letras o artístico trabalho de
Pinheiro Viegas, um nefelibata correto e distinto.
Temos
em nosso poder quatro graciosos Cantos do poema Evangelho de que S.S. é autor e
que, mais de espaço, daremos em nossas colunas.
(Diário de Notícias. Rio de Janeiro, Ano IX, nº 2.679 de 12
de novembro, 1892).
O País de 1893 trás a seguinte nota
sobre a nomeação de Pinheiro Viegas:
Por
não ter aceitado a nomeação, foi declarado sem efeito o ato de 13 de julho
último na parte em que nomeou João Amado Pinheiro Viegas, para o cargo de
adjunto do promotor público do município de Monte Verde, no Estado do Rio de
Janeiro.
(O Paiz. Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1893)
Em abril de 1894 João Amado Pinheiro
Viegas é nomeado como inspetor de alunos do Colégio Miliar, do Rio, conforme
informação do Diário de Notícias de 30 de abril. A República (órgão do Partido
Republicano Federal) de Natal divulga em sua edição de setembro o novo panfleto
jacobino O Biriba, autoria de
Pinheiro Viegas e Xavier Pinheiro:
É
o primeiro número de uma série que pretendem publicar e em que, obedecendo aos
seus sentimentos patrióticos, se propõem castigar, valentemente, os erros desta
situação dolorosa, que o governo do s. s. Prudente de Morais criou para a nossa
Pátria.
(A
República. Natal, Ano IX, nº 186, 17 de setembro, 1897).
Da
Secretaria de Estado das Finanças, através da Diretoria – Requerimentos
Despachados, a seguinte nota:
João
Amado Pinheiro Viegas, Professor da Escola de S. Delphina, em Valença, pedindo
pagamento de vencimentos. – Expeça-se ordem nos termos da informação do chefe
da 2ª secção.
(Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 14 de março de 1899)
Nessa mesma data foi publica n’O País,
nota sobre o referido requerimento. Vejamos:
Requerimentos
despachados pela Secretaria das Finanças:
Jeronymo Lopes Moreira, Domingos de Franco, Quintino José de
Medeiros, bacharel Geraldo das Mercês Ferreira Ladim e João Amado Pinheiro
Viegas – Expeça-se ordem.
(O Paiz. Rio de Janeiro, 14 de março de 1899)
Da Secretaria de Estado das Finanças,
através da Diretoria – Requerimentos Despachados autoriza pagamento:
João
Amado Pinheiro Viegas – 326$665
(Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 2 de maio de 1899)
Sobre a publicação de um folheto em
homenagem a Floriano Peixoto:
Verso
de Pinheiro Viegas, a Floriano Peixoto; um folheto. Homenagem ao marechal
Floriano Peixoto, Jornal Especial, impresso a encadernado, escrito por várias
pessoas, comemorando a data do falecimento do marechal Floriano.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 30 de junho de 1900)
Viegas explorou uma concessão pública
de quiosques, que eram pontos de vendas de certos artigos, como jornais,
livros, cigarros, em locais públicos determinados para este fim. Com o título
de Centros de Desordens, foi publicada esta nota no Jornal do Brasil:
O
delegado da 19º circunscrição policial oficiou ontem ao dr. 1º delegado
auxiliar, pedindo para serem cassadas as licenças dos kiosques existentes na
praia de Botafogo Nº63, pertencente a Araújo & Laranjeira; nº40 de Azevedo
& Guerreiro; nº75 de Pinheiro Viegas, nº77 de Marques & Almeida e nº100
de Antonio da Silva Teixeira, por serem pontos de vagabundos e desordeiros.
As licenças, a que se refere aquela autoridade, são as de
funcionarem os mesmos kiosques até 1 hora da madrugada.
Alega a mesma autoridade que essa medida se torna urgente
tanto mais que disso depende o bom policiamento da circunscrição.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18 de julho e 1900)
Outra nota sobre o poeta João Amado Pinheiro
Viegas:
Foi
cancelada a nota “a bem do serviço público” lançada em portaria de 18 de
janeiro do corrente ano, demitindo do cargo de inspetor seccional da 2ª
circunscrição urbana João Amado Pinheiro Viegas.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1901)
Em 28 de outubro de 1901 o jornal
Cidade do Rio informa:
Foi
cancelada a nota “a bem do serviço público” com que foi demitido do cargo de
inspetor seccional da 2ª circunscrição urbana, João Amado Pinheiro Viegas.
Sobre a exoneração de alguns agentes
fiscais:
Foram
exonerados os agentes fiscais do imposto de consumo João Amado Pinheiro Viegas,
no Estado de Minas Gerais e Bernardino Fernandes da Silva Tavares, no de
Alagoas.
(O Paiz. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1901)
O jornal Comércio de São Paulo de junho
de 1902 publica em um de suas páginas:
Será
declarada sem efeito a nomeação de Alderico Solon Ribeiro para o lugar de
agente fiscal dos impostos de consumo na 22ª circunscrição deste Estado, sendo
nomeado para substituí-lo João Amado Pinheiro Viegas.
(O Comércio de São Paulo. São Paulo, 2 de junho de 1902)
No dia seguinte a Nota foi também
publicada no Correio Paulistano de 3 de junho de 1902:
Fiscal
de Consumo
Ficou
sem efeito a nomeação de Alderico Solou Ribeiro para o cargo de fiscal de
consumo da segunda circunscrição desse Estado, sendo nomeado Amado Pinheiro
Viegas.
Mais uma nota sobre a vida funcional de
Pinheiro Viegas:
Foram
nomeados agentes fiscais do imposto do consumo, nas seguintes circunscrições:
Na 25º do Rio Grande do Sul, Antonio Fernandes dos Santos, sendo exonerado
Gilberto de Lemos Gonçalves e sem efeito a nomeação de Candido Miranda para a
2ª. Na 22ª delegacia de S. Paulo, João Amado Pinheiro Viegas e sem efeito a de
Alderico Solon Ribeiro.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 3 de junho de 1903)
Continua:
Os
agentes fiscais do imposto de consumo neste Estado, João Amado Pinheiro Viegas,
da 2ª circunscrição, e Antonio Rangel de Barros França, da 6ª, requereram
permuta de circunscrição.
(Correio
Paulistano. São Paulo, 2 de julho de 1903)
***
Foi
nomeado a pedido seu, o agente fiscal da 12ª circunscrição do Estado de S.
Paulo, João Amado Pinheiro Viegas, para idêntico lugar na 6ª circunscrição do
mesmo Estado.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10 de julho de 1903)
Mais adiante:
Foi
exonerado João Amado Pinheiro Viegas, do lugar de agente-fiscal do imposto de
consumo da 6ª circunscrição de S. Paulo, e nomeado para substituí-lo Libero
Braga.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1903)
Mais uma Nota:
João
Amado Pinheiro Vigas, ex-agente fiscal dos impostos de consumo, (ilegível)
abono de porcentagem: - Foi enviado à delegacia fiscal de S. Paulo, para
informar.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1903)
Em julho de 1907, O País publicou nos
dias 16, 18 e 31 a seguinte nota:
Foram
concedidos trinta dias de licença, em prorrogação, ao escrivão do posto fiscal
do Oyapock João Amado Pinheiro Vegas.
(O Paiz. Rio de Janeiro, 16 de julho de 1907)
A mesma nota foi publicada no Jornal do
Brasil:
Foram
concedidos 30 dias de licença, improrrogáveis, a João Amado Pinheiro Viegas,
escrivão do Posto Fiscal em Oyapock.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 31 de julho de 1907)
Em 1907, Pinheiro Viegas resolve
abandonar o grupo Evolucionista e solicita ao periódico O Século para registrar seu afastamento da Escola Evolucionista.
(A nota saiu n’O Século. Rio de Janeiro,
Ano II, nº 414, de 24 de dezembro, 1907.)
Em 1908 o epigramista baiano publica
mais um panfleto:
De
Pinheiro Viegas, autor já de diversos livros, recebemos um exemplar da sua
poesia lírica Beatriz, feita em corretos alexandrinos e que acaba de vir à luz,
editada pela Casa Villas Boas & Cia”.
(O Século. Rio de Janeiro, 18 de agosto, 1908).
Sobre a exoneração de Pinheiro Viegas:
Foi
exonerado por abandono de emprego, João Amado Pinheiro Viegas, do lugar de
escrivão do posto fiscal de Oyapock, no território do Amapá.
(O Paiz. Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1908)
A mesmo nota sobre sua exoneração foi
publicada no Jornal do Brasil:
Por
abandono de emprego foi exonerado do lugar de escrivão do posto fiscal do
Oyapok, João Amado Pinheiro Viegas.
(Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1908)
A Notícia, da capital federal de
dezembro de 1909, publica um pequeno comentário sobre mais um panfleto lançado
por Pinheiro Viegas:
República
Civil
É este o título de um panfleto que acaba de publicar o Sr.
Pinheiro Viegas. São 30 páginas, fortes e cheias de uma ardente propaganda
política. O livro tem como subtítulo – Ruy Barbosa – Albuquerque Lins – Carta
aos Brasileiros – e vem prestar um excelente serviço ao espírito civilista.
Do merecimento literário da obra falará oportunamente o
nosso colaborador da Crônica Literária.
(A Notícia. Rio de Janeiro, Ano XVI, nº 285, 8/9 de
dezembro, 1909).
A Gazeta de Notícias, desse mesmo mês
apresenta uma síntese dos trabalhos do poeta/jornalista baiano:
Pinheiro
Viegas, o distinto ironista da nova geração, que desde o governo de Deodoro vem
atirando panfletos às personalidades políticas que têm merecido a vergasta da
sátira; que escreveu um panfleto a esse governo, outro ao de Prudente de
Morais, o Hino a Morpheu ao de Rodrigues Alves, acaba de publicar A República
Civil, belas páginas em prol das candidaturas civis e especialmente da
candidatura de Ruy Barbosa.
Trabalho de escol pelo estilo, a fina ironia lírica, a
substante fulgência da língua vernácula, merece bela apresentação ao público, e
especialmente ao partido civilista brasileiro.
É uma obra de combate, mas que honra ao beletrista que a
elaborou, honrando aos nomes por quem vem pugnar.
(Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 9 de dezembro, 1909).
Em 1911, residindo na capital Federal,
época em que se cogitara a fundação de uma Academia
dos Novos, formada principalmente por intelectuais novos ou aqueles que não
lograram entrar para Academia Brasileira de Letras, com a finalidade de criar
uma agremiação que seria uma réplica à ABL. A este grupo de intelectuais,
Pinheiro Viegas se incorporou, do qual faziam parte: Coelho Cavalcante, Saul de
Navarro, Agripino Grieco, Alfredo Brito, Múcio Teixeira, Olegário Mariano,
Rocha Pombo, Raul Pederneiras, Emílio de Menezes, José do Patrocínio Filho,
Goulart de Andrade, Bernardino da Costa Lopes, Lima Barreto e outros. Todos
intelectuais e boêmios. O que justifica a não inclusão deles na igrejinha
oficial, contrária a este tipo de vida boêmia.
Na edição de 12 de agosto deste mesmo
ano, o jornal carioca, A Imprensa,
de propriedade de Alcindo Guanabara é lançada a iniciativa de fundação da
Academia, que seria composta de dez membros efetivos e vinte correspondentes,
um de cada Estado. Este periódico se dispunha de início a subvencionar o salão
para o funcionamento da Academia, aceitar a colaboração remunerada dos
acadêmicos e editar-lhes os livros mediante certas condições. Os membros seriam eleitos por um plebiscito
entre os intelectuais convocados pelo jornal. Resultado, a Academia dos Novos
não passou do projeto, nunca foi para frente, houve protestos contra o
resultado do concurso. E tudo acabou num
ridículo duelo a espada entre o crítico literário d'A Imprensa, José do
Patrocínio Filho, com um dos candidatos gorados, Ferreira de Vasconcelos.
Viegas retorna mais uma vez a terra
natal:
Em
1912 parte do Rio de Janeiro para Pernambuco e escalas, no Paquete nacional
Itapura.
(Jornal do
Comércio. Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1912).
Sobre a sua publicação mais recente, o
folheto “Saudações a Ruy Barbosa”, impresso pela Revista dos Tribunais:
O
poeta Pinheiro Viegas, o autor de Poema da Carne, ofereceu-nos hoje o seu novo
trabalho, Saudações a Ruy Barbosa, obra em versos belíssimo, perfeitos, como os
sabe, fazer Pinheiro Viegas.
(A Noite. Rio de Janeiro, 7 de agosto de 1916)
O jornalista sergipano Mario Hora
(1891-1962), autor de contos, memórias e
textos para teatro, publicou seu primeiro livro Tabaréus
e Tabaroas, em 1922, era amigo de Pinheiro Viegas . Vejamos um comentário sobre Saudação a Ruy Barbosa:
Saudação
a Ruy Barbosa
Pinheiro Viegas o autor de Beatriz e de outros poemas
admiráveis acaba de por em circulação mais um poema, cujo título serve de
epigrafe a esta ligeira nota.
A ida do gênio baiano à Repúbica vizinha no caráter de
embaixador do Brasil às festas do centenário de Tucuman: o papel saliente da
Águia de Haia representado ao lado do povo platino; a formidanda conferência do
nosso embaixador feita em Buenos Aires eletrizando de insofismável entusiasmo
os nossos irmãos do Prata e repercutindo na Europa, acendeu no cérebro dos
nossos beletristas uma chama que sentem desdobrado em odisseias e poemas – nem
sempre à altura da grandeza que aqueles acontecimentos, em si, representam.
O autor da “Saudação a Ruy Barbosa” é porém, um poeta de
raça cujo temperamento fogoso aliado à sólida cultura filosófica e literária,
deu-nos 144 versos admiráveis como técnica e como emoção é que compõem a
“plaquete” que o poeta acaba de jogar à luz da publicidade.
Aliás não era de esperar outra coisa do estro de Pinheiro
Viegas que longe de ser um novo na matéria é já, pelo que tem produzido e
publicado com aceitação unanime, um mestre. E daí, a grandeza de concepção e a
perfeição de forma – uma das mais características feições da sua
individualidade artística – que se nota nos 144 versos do seu novel poema.
O poeta da Saudação a Ruy Barbosa, não desmentiu o cinzelador
de Beatriz e dos outros poemas já publicados.
Mais eloquentemente do que tudo quanto nossa sair da minha
obscura pena, falam estes versos que, destaco a esmo do poema:
No triste vesperal crepúsculo indistinto.
Tendes visões do céu sobre as paixões da Terra?
(A expressão de um herói no bronze de Corinto!)
Sois o gênio da Paz diante o gênio da Guerra.
(...)
Vosso perfil exsurge... avulta... cresce...aumenta...
Assim como o rio ao luar em grandes noites mestras!
Ferido pelo raio e à mercê da tormenta.
Sois o jequitibá das brasiléias florestas!
Tendes o sonho e o verbo – as duas asas grandes –
Para o voo aquilino ao calmo azul perene.
(E sempre à argila humana a alma divina indeno!)
Ao ver Cristo a sorrir lá do topo dos Andes!
(...)
Resta-me, apenas agradecer a Pinheiro Viegas, em nome dos
poetas da geração de que sou humilíssimo representante o cabedal de poesia
terna que nos legou, com a publicação da sua “Saudação a Ruy Barbosa”.
(A Notícia. Rio, Ano XIII, nº 236, 27/28 de agosto de 1916).
Sob as iniciais A. C. foi publicado o
artigo “A Liberdade” no jornal Alto Longá do Piauí, onde o autor ao falar sobre
a República recorre aos versos do poema Carta – Ré – Pública de Pinheiro
Viegas. Vejamos:
A politicagem baixa e desprezível, a
prostituição do regime, o desvirtuamento das Leis, é que têm assento em o nosso
desgraçado País.
A República não existe, ou como disse
algures, não é a dos nossos sonhos. E foi por isto, foi desvendando os futuros
rudes que os homens dessa república nos iriam causar que o Sr. Pinheiro Viegas,
da Bahia, fez esta carta em versos, ao marechal ditador:
Marechal
...
sou plebeu, um simples democrata.
Um
forte coração, uma alma intemerata.
Eu
jamais me curvei a um rei ou ditador,
Nunca
tive ambições de ser comendador,
Barão,
duque, marquês. Detesto a fidalguia.
Odeio
o sangue azul e esta aristocracia.
Que
campeia, entre nós, assim, com altivez!...
É
grande covardia, estranha insensatez,
Ninguém
vir protestar contra o nefando crime,
Que
a todos nos suplanta e a todos nos oprime!...
Desenha o quando das corrupções e
hipocrisias da república; depois dirige
ao marechal presidente, enérgico apostrofe:
Porque
lançastes vós em plena praça pública
O
grito da Revolta, o verbo da República?
Mas
qual foi à lição que então destes ao mundo,
Banindo
do Brasil um rei, Pedro Segundo,
O
nobre cidadão, o cidadão antigo,
Monarca
liberal, vosso melhor amigo,
Que
não se fez paxá e não criou Bastilhas,
Iludido,
sabeis, por essas camarilhas?
Que
vem aos vossos pés pedir mais privilégios?
O
poeta, severo e impiedoso para os corvos da República, exclama:
–
Bandidos de casaca eróticos burgueses,
Postiços,
sensuais, barões, outros marqueses,
Conselheiros
do império, adesistas infames,
Que
pedem concessões fazendo mil reclames?...
E
pergunta:
Porque
vós consentis assim impunemente
Aviltar
a nação o jugo prepotente.
Dos vossos cortesãos, ministros e fascistas,
Democratas
que são no fundo monarquistas,
Hipócritas,
sandeus, bandidos, argentários,
Palhaços
e ladrões, fidalgos, mercenários,
Infames
histriões, curvados abissínios,
Que
vem das podridões e dos esterquilínios?...
Tanto não diremos nós, mas, o que não
diria hoje o Sr. Viegas do que se tem passado por esses brazis?...
Para
salvar da Pátria a triste ruinaria
Das
ondas colossais da velha oligarquia
É
preciso titãs, preciso é lutadores...
.........................................................................
Preciso
é reagir, preciso é dar batalha,
Contra
o velho terror da grande e vil gentalha,
Que
tem mil ouropéis, palácios e festins,
Como
os grandes paxás e os nobres mandarins,
Que
traz gravata branca e luvas de pelica
E
tem ostentações de messalina rica;
Como todo moço, o Sr. Viegas se revoltou
contra a filhotagem e despotismo da sua época. E quem é que, amando sinceramente
a sua pátria, não se revolta contra os governos que a deprimem a desonram?
República...
Foi
talvez uma visão de C. Alves esperar ver no futuro, a nossa república.
Alva,
grande, ideal lavada em luz estranha...
(Alto Longa. Piauí – Ano I, nº2, maio de 1917).
Vejamos o registro do jornal A Notícia,
do Rio de Janeiro de 1919 afirmando que Pinheiro Viegas passa a colaborar no
periódico carioca Gil-Blas (Panfleto
Nacionalista) dirigido por Alcibíades D. Nogueira da Gama, com o soneto Música Noturna, Ano I, nº26, 7 de
agosto:
Música Noturna
(Ao Carlos Imbassahy)
Abro a janela. Escuto. Enche todo o ambiente
Essa música irreal do violão de um tzigano,
Feita de longos ais do coração humano,
Fora, no ermo, ao luar, desoladoramente.
Lembro a imagem lirial da pulcra e eterna ausente,
Longe, o meu país natal, Glauco e múrmuro oceano,
O doce lar tranquilo, o jardim redolente,
Na plaga verde e azul sob o céu pompeano.
Do violonista boêmio, o sem pátria no mundo,
Como a dizer à noite e ao plenilúnio: – “Ouvi-me!”
Tem uma alma esse violão toda nervosa e querula...
Guay em guay, corda a corda, assim ele é sublime:
Escuto-o em pranto, à janela, o silêncio profundo,
A paisagem do exílio ao luar de madrepérola!
(Gil Blas. Rio de Janeiro, Ano I, nº26, 7 de agosto, 1919)
Vejamos a segunda colaboração, Esfinge, Ano II, nº55, 25 de fevereiro
de 1920:
Esfínge
(Ao
O. Muniz)
Leão
e mulher, – de pedra o monstro, – é a esfinge obscura
Do
cruor do orgulho humano em meio ao labirinto:
–
O Tudo e o Nada, a Vida e a Morte, o Sonho e o Instinto,
O
Espírito e a Matéria, o Criador e a Criatura.
De
granito, – enigma eterno, – olhando os sóis na altura, –
Mora
o deserto areial de um grande oceano extinto.
Na
queda boca imota, – o néctar feito absinto, –
Mostra
ao Ser e ao Não-Ser pétrea ironia dura.
O
Orbe em retorno ao Caos e a Volúpia ao Nirvana,
Abre
ao infinito azul as órbitas bizarras,
Da
plástica ao psique, divina, sendo humana.
Rebelde
ao Anjo, – a Besta é o delírio e a
nevrose:
Tem
do Gênio ou do Herói os fantos entre as garras
Sob
a lua de um Sonho e ao sol de uma Apoteose!
(Gil
Blas. Rio de Janeiro, Ano II, nº55, 25 de fevereiro de 1920)
Em 1920 para homenagear o escritor Lima
Barreto (1881-1922) no dia em que aniversariava, Francisco Schettin promovera
um almoço no Restaurante do Hotel Novo Democrata, reunindo todos os
companheiros de jornalismo ou de bar, os dos últimos anos. A saborosa feijoada
regada a muita cachaça, onde todos falaram. O festivo acontecimento foi
registrado por Lima Barreto na crônica “O meu Almoço” publicado em A Notícia de
3 de junho de 1920, incluído no livro Feiras e Mafuás, editora Mérito, 1953 com
Nota Explicativa, assinada por Francisco de Assis Barbosa:
Falava
Grieco, falava Coelho Cavalcanti, falava Chico, falava Ornelas e Xavier Junior
dizia versos, Tito recitou uma ode horaciana à Berenice da Travessa da
Barreira, Pinheiro Viegas declamou
coisas bizarras, próprias do seu temperamento individualista; enfim, todos falaram,
enquanto o festejado ficava calado que nem um peixe ou um outro animal que não
vive n’água.
(A Notícia. Rio de Janeiro, 3 de junho de 1920)
Nesta mesma data o Jornal das Moças, do
Rio de Janeiro, Ano VIII, nº 252 de 3 de junho de 1920, publica o soneto Corvo,
dedicado ao Saul Navarro. Neste ano
Pinheiro Viegas escreve no Rio de Janeiro a primeira versão do soneto J.N.R.J.,
publicado em 2 de agosto do mesmo ano no Correio de Aracaju (SE), republicado
com muitas alterações nos versos no Diário da Tarde (Ilhéus) em 25 de abril de
1928. Vejamos:
J.N.R.J.
Jerusalém. Por fim de surpresa, aparece
(É o moço gênio hebreu mestre de pulcritude!)
E fala a turba ignara afeita ao trato rude
Sobre
o credo que ex surge... avulta... aumenta... cresce...
Dizem:
- “Eis o Homem Deus!” – Ele sorri. Parece
Branco
lírio imperial sobre negra palude.
Tem
nos olhos, no rir, no andar, na celsitude,
A
beleza toda irreal de um poema ou de uma prece.
Como
poeta ele adora a natureza. E o verbo
Sai-lhe
do lábio, ao vê-la, em surto ao céu e aos astros,
Dentro
a cidade hostil no transe mais acerba...
À
pobre argila humana é a glória inatingida:
Ao
lembra-lo, no mundo, há de sorrir seus rastros
Quem
faz por uma ideia o holocausto da vida.
Rio, 1920
Em janeiro de 1921, Pinheiro Viegas
publica o soneto O Corvo, na revista “Vida Carioca”. Este soneto foi totalmente
reescrito e republicado na revista baiana A Luva nºs 47-48, 31 de março de
1927:
O Corvo
Sobre um tronco pousado e indiferente ao coro
Dos pássaros no azul e as serpes no chão rasas,
Mesto,
os olhos de treva – abrindo em duas brasas –
Hei-lo
na hora púnica em luto imorredouro.
Ele
põe-se a grasnar, de chofre, em riso e choro,
É
a saudade letal das expulsiceas das vasas
Qual
sarcasmo funéreo à volúpia das asas
E
ao por do sol de outono a broslar o céu de ouro.
Tomba
do monte do vale a noite. E então na treva
Tem
do corvo de Poe negra nevrose estranha,
Que
em silêncio da morte a alma gnomes ceva.
Triste
ausência da lua morte! Banha
A
paisagem de sonho o luar que então e eleva
No
espaço de ter turquesa ao topo da montanha.
(Vida
Carioca. Rio de Janeiro, Ano I, nº2, 22 de janeiro de 1921)
O Mundo Literário de 5 de junho de 1923
publica o soneto Spleen, republicado
um ano depois em Aracaju na edição de 28 de setembro, no Diário da Manhã.
Vejamos:
Spleen
O
laudano ao café. Lethes. O eterno sono.
Ponto
final do amor de poema ou de novela.
Entra
em meu quarto o luar de outro fosco de outono.
Espero-te.
Não vens. Cismo, chego à janela.
Tic,
tac, o relógio é monótono absono.
No teu
auto-retrato antigo em aquarela,
Tenho a
ilusão de ver-te a pose de abandono.
Sendo
humana, és divina! e sendo cruel, és bela!
Certo
de minha dor hoje um poema eu não faço...
A lápis
verde escreve em uma folha de almoço
Maus
versos, versos maus, nesses meus hieroglifos.
Cai-me
o papel das mães: - São meus quatorze versos!
Meu
gato Angord gris-verde olhos perversos -
Do chão
num salto, apanha-o e rasga-o entre os seus grifos.
(O Mundo
Literário. Rio de Janeiro, 5 de junho, 1923)
Com a morte de Rui Barbosa (1849-1923),
ex-ministro da Fazenda no Governo Provisório (1889-1891), atuou sempre
vigorosamente no parlamento, mas a imprensa foi-lhe também excelente tribuna
para as campanhas cívicas que encetou (a República, a Abolição, a
democratização do País), um dos maiores conhecedores do idioma, recebeu do
poeta Pinheiro Viegas mais uma homenagem póstuma, publicada na Gazeta de
Notícias, do Rio de Janeiro:
Ruy
Barbosa
Ele,
o super-homem, à imagem e semelhança de Zarathustra, de Nietzche, teve um ideal
divino, sendo humano, de ciência e de arte, na efêmera existência terrena:
entendeu, quis pode e soube realizá-lo nesta tarefa, ao gozo dos coevos, ao
assombro dos pósteros, numa gloriosa autarquia imarcescível. Ele, para os
estetas e para os ariscos, na atual civilização do orbe terráqueo, era o maior,
senão o melhor tipo do Brasil.
Ele,
certo, para os cultos e para os instruídos de todos os recantos do mundo, neste
século de aeronavegação e do rádio, da filosofia pragmática de William James e
da métrica livre de Marinetti,
mostrava-se sempre o expoente máximo de todas as Brasiléias grandezas
mundonovitas; ao vê-lo, tinha-se a sensação de ver o pátrio colosso americano,
com as suas florestas, com os seus rios, com os seus vales, com as suas
montanhas, à Alba, ao meio-dia, ao ângelus, à noite. Ele, não raro ignorado e
incompreendido, maximié nesta polis de S. Sebastião, assim como fora outrora
aquele J.N.R.J., na Palestina, nunca deixou de ser o vero vulto de exceção, um
individualista, um cultor da vontade, um ipseista: era o único que entre nós
podia pensar e sabia dizer alto às gentes o brilho e a força do próprio
pensamento inconfundível.
Pensar
o que ele pensou, dizer o que ele disse fazer o que ele fez, debaixo do sol,
nesta gleba, é a faina de um Titão, somente comparável ao labor dos arquétipos
de fabula, de poema, de teogonia e de lenda.
Eu,
- a cabeça rebelde, o coração livre, - “ubi bene, ubi pátria!” – velho poeta
boêmio incorrigível, que apenas admiro, nessa minha viagem do ser ao não-ser,
as maravilhas da natureza, e as obras-primas de arte dos gênios, admirei-o.
Dei-lhe provas desta minha admiração (e admirar não é amar com a inteligência?)
em vários gestos e vários escritos; sempre fui um fiel de seus fantos de
artista, sempre fui um devoto de sua missão de mago ou de iluminado na terra
máter de que ele se fez o evangeliário e o redentor.
Vi-o
sempre como se vê um ser super-humano, uma criatura ultraterrestre; lia-o;
ouvia-o, admirava-o mais ainda. Impossível foi-me sempre confundi-lo, em nosso
meio, como qualquer político medíocre de muitos ridículos e de poucas letras,
com um ímprobo burguês vulgar de muitas banhas e poucos escrúpulos; águia dos
Alpes, condor dos Andes, ele pairava sobre as toxinas da vulgaridade; sabia-o
diferente, como feito de outra argila, dos adamitas expulsos do Éden, à míngua
da intuição do que é belo e verdadeiro no astro em que vivemos: na arte, que é
a beleza, na ciência, que é a verdade.
Espírito
solariano, ele dava-me a emoção do sublime: assim como o céu, assim como o
oceano, a sua imaginação e o seu verbo deixaram, em toda parte por onde ele
passou o fascínio e o assombro. Aqui, parecia-me o Guiliver, de Swift, em
Liliput: ninguém o podia imitar nas ideias e nas atitudes, na fantasia e no
estilo: ele em tudo avultava, extraordinário, bizarro, imprevisto, inatingível.
Realmente, nesta peregrinação subsolar, ele possuía esse luxo, essa opulência
do intelectual; a personalidade. Sempre, da vida à morte, defendeu-a com a
soberba e o desassombro de um Olympio diante dos efêmeros, do um semideus em
presença dos homens. A sua ética refletia-se-lhe na sua estética; tinha o poder
de marmorizar as ideias com as formas, o dever com o direito, o verdadeiro com
o belo, a arte com a ciência.
Mais:
vislumbravam-se-lhe a fascinação e o deslumbramento de um rabino de pulcritude
no trato das coisas mais simples, que são sempre as coias mais belas, perante o
senso humano e o senso divino; ele de tudo falava como um sábio, tudo
compreendia como um letrado, tudo podia expor, ampliar, esclarecer, discernir;
viam-se-lhe na fonte as guirlandas de um Alighieri e o nimbo de um S. Francisco
de Assis.
Sem
desdenhar as máximas de Gautema ou de Láo-Tseu, fez-se cristão e, como o
Parsifal, de Wagner, detesta o seu pecado e chora-o, volta as costas à Klingson
e, por fim, certo, vai ao caminho do Graal: o seu reitorado entre os homens na
terra afeiçoou-se mais às visões do céu. Mais que ao Brasil ele pertence ao
mundo: diz-nos a sua defesa de Alfredo Dreyfus, diz-nos a internacionalização
dos seus conceitos e das suas usanças na assembleia da Haia.
Do
poliglota e do politécnico outros dirão mais e melhor do que eu: crível é que
outros em breve o façam. Todos nós sabemos: ele vivia em Bibliopolis, com a
serenidade olímpica de quem descobriu, na existência focasse do homem, a
eternidade luminosa de um daimon. Da sua peregrina inteligência sensível, no
século e no globo, a minha ignorância não percebe completamente o tesouro
nababesco; diz-se prodígios, milagres, primores, sublimidades, quanto à sua
memória de Pico de Mirandola: demais não é afirmar que ele saiba de cor, verso
a verso, a Ilíada e a Odisseia, de Homero.
O
egrégio polígrafo compatrício, quando presidente da Academia Brasileira, fez o
elogio de Anatole France. Todos os beletristas brasileiros se recordam do célebre
discurso por ele escrito na língua de Racine, sobre o insigne romancista
francês do “Lys Rouge”. O eminente crítico patrício viu, no escritor de
“Thais”, o “Mr. De Bergeret”: o cético risonho, o ironista lírico, o
indiferente maneiroso, o doutor em paradoxos; e exatamente na personagem do
romance está o autorretrato, ou antes, a auto-psicologia do autor.
Atlas
tinha sobre os homens o peso do mundo, ele tinha sobre os ombros todo o Brasil.
Pinheiro
Viegas
(Gazeta de Notícias.
Rio de Janeiro, 12 de julho de 1923.)
Quatro anos depois em agosto de 1927 o
poeta João Amado Pinheiro Viegas encontrava-se em Recife, residindo numa pensão
localizada na Rua do Bispo, quando foi roubado totalmente, ficando
impossibilitado de sair à rua. Segundo Notas da imprensa pernambucana “os
ladrões só lhe pouparam o pijama que vestia na ocasião do roubo”.
(A Província. Recife, Ano LVI, nº 179,
de 5 de agosto, 1927).
Em 1931, em artigo sobre “A Nova
Intelectualidade da Bahia”, o jornalista Bulcão Junior, especialmente para a
revista Fru-Fru diz o seguinte:
Outro
grupo literário da Bahia, que fulgura com os valores que o compõem, é a
denominada Academia dos Rebeldes.
São rebeldes das nossas letras. Não têm escola. Têm sim, um
mestre. Mas um mestre terrível. Sarcástico como ninguém no mundo. É Pinheiro
Viegas.
(Fru-Fru. Rio de Janeiro, Ano I, nº1, agosto, 1931)
Em 1932 Agripino Grieco (1888-1973)
crítico impressionista que aliava a força da intuição a opiniões corajosamente
expostas de onde os acertos e premonições se alinhavam com assertivas que o
tempo não ratificou, dedicou um capítulo a Pinheiro Viegas, na Evolução da
Poesia Brasileira, volume incluído in Obras Completas (1947-1957). Nesse mesmo
ano Grieco publica o artigo Três autores – três livros n’O Jornal, tecendo
pequenos comentários sobre os epigramas de Viegas:
Num
bate-boca com o prosador Coelho Cavalcanti, polemista azedo que molhava a pena
no tinteiro de Camilo, Pinheiro Viegas chamo-o dada a sua grande vaidade, de
Narciso a mirar-se em água... ardente, e compôs esta quadra, excessivamente
cruel, sobre o autor dos Gigantes e pigmeus:
Ele o Coelho
Cavalcanti,
Que nunca se
viu ao espelho:
Pigmeu, quis ser gigante
E, burro, assina-se Coelho.
Trabalhava
o Pinheiro num jornal em que havia um Mário voracíssimo, que, ele só, engolia
toda a renda da folha, nada deixando para os confrades famélicos. Como se isso
não bastasse, nomeou um segundo Mário para gerir as finanças do órgão. Viegas,
desforrando-se, num sarcasmo, dos aflitivos jejuns que vinha suportando há
meses, escreveu o seguinte:
Depois de Mário primeiro
Outro Mário não faz mal:
São duas mãos no dinheiro
E quatro pés no jornal...
(O Jornal. Rio de Janeiro, 21 de
fevereiro de 1932)
Através da coluna Reminiscência, o
crítico Araripe Grieco volta a falar sobre o amigo Pinheiro Viegas e nos
apresenta vários epigramas, quadras e versos inéditos:
Jorge
Amado, o romancista do País do Carnaval, diz-me que Pinheiro Viegas está doente
e cego num hospital da Bahia.
Há
alguns anos, referindo-me ao poeta da Beatriz, afirmara eu ser ele um desses
homens de idade indeterminada, que parecem suprimir o calendário. Simples
“boutade”. Ninguém mata o tempo e, como bem pregava Santo Agostinho, todos nós
acabamos humilhados pela vida.
Ai
especialmente dos que, como Pinheiro Viegas, incidam frequentemente no pecado
de ter espírito, de subtrair-se a vulgaridade, de não ir pelo mesmo trilho ao
mesmo pasto dos ovinos de dois pés!
Ainda
o vejo daqui, com a sua fronte ampla, morada dos nobres pensamentos, e a sua
boca reentrada em fundas comissuras, de que saíam salivadas de curare, as
penetrantissimas flechas de sarcasmo. Nunca lhe esquecerei das definições
irônicas, as quadrinhas vitriolantes, os epitáfios para a sepultura anhuma de
um vaidoso ou de um inútil.
–
Rui é uma cabeça, Raul Pederneiras é um chapéu...
A
propósito do Cristo e a adultera, do escultor Rodolpho Bernardelli:
–
Adultera o Cristo sem cristianizar a adultera.
Diante
de uma paisagem do pintor Baptista da Costa:
–
Prefiro o papel pintado da casa de David...
Ao
ler, num dos nossos jornais, uma seção intitulada “Microcosmo”:
–
O autor deveria assinar-se Homúnculo: pequeno mundo, pequeno homem...
Apelido
para o Sr. Floriano de Lemos, quando estampou uns contos galantes redigidos à
maneira do autor do “Rei Negro”, de quem parecia um verdadeiro filho
espiritual:
–
É Coelho Bisneto...
Comentário
a campanha do dr. Pereira Barreto, médico de S. Paulo, quando combatia com
violência a importação de certa marca de gado:
–
É o toureador do boi zebu...
Ao
então deputado Antonio Carlos, no seu pedido de financista, classificava de
Yves Guyot da linha do Centro.
–
Não gosto das “carícias” do Redondo...
Confidenciava-o,
após ler o volume de um conspícuo prosador da Academia de Letras.
E, ao saber da ferocidade de certo fiscal de
bancos, foi o Viegas (creio) quem teve este pitoresco jogo de palavras:
–
É o espectro de Banquo convertendo-se com os sem gestos bancos...
Ainda
oiço o meu velho amigo assegurar-me com os seus gestos categóricos que o mais
belo verso da língua portuguesa é de um prosador, é de Eça de Queiroz, o verso
em que ele chama as estrelas de:
Gotas
de luz no frio ar nevadas...
Era
o Viegas, sem dúvida, o maior epigramista da nossa roda e, ao ler-lhe as
páginas em prosa, eu recordava o célebre conceito de Papini com relação a um
outro homem de espírito:
“Lampidez
de álcool destilado que parece água de fonte e sai dos cachos violáceos e tem
em si o inebriamento, a vertigem, a fantasia de um dia que custa um ano”.
Não
lhe faltavam também as notas líricas. Deixando a torrefação dos contemporâneos,
levava-me ele, não raro, para um ângulo do salão Virgilio, onde costumava
aparecer, e recitava-me deliciosas poesias suas, de que me ficaram fragmentos
cantando na memória:
A máscara da lua a bater sobre o
espelho
Os seus olhos de ônix e as suas
mãos de gesso
Sob o esplendor lunar das lâmpadas
elétricas
Miss Venus, tu és a flor de
Venusberg
Vermelho sobe envolve-a em viva
labareda
O por do sol no céu é um pássaro
ferido
Pobre dele, que se confessou
Globe-Trotter, judeu, Tzigano,
vagabundo
E
conclui
Pois certamente eu sou um sem pátria no
mundo!
Mundo horrível em que só não é
castigada a estupidez...
(O Jornal. Rio de Janeiro, 28 de agosto
de 1932)
***
Na edição de 23 de abril de 1933, o
Diário de Notícia, do Rio de Janeiro republica o soneto Spleen.
Ela,
soneto muito popular de Pinheiro Viegas, foi publicado anteriormente no artigo
O Canhendo de Jorge Belfor no Diário da Tarde, Ilhéus, dividido em várias
partes: 20/25 e 23/24 de maio de 1928. A versão que apresentamos foi publicada na
revista carioca Boletim de Ariel de outubro de 1935, com algumas modificações:
Ela
Entra.
Despe-se. E nua, a rir, sem cerimônia.
(Ela é
a visão celeste e a femina terrena),
Negros
olhos de ônix, solta a bruma melena,
Anda, à
noite, em meu quarto, ao léu da minha insônia.
Cismo:
é a Tzigana, a musa, a madona, a demônia,
A
mandrágora, a euforbia, a reflesia a açucena,
Grande,
soberba, irreal, pulcra, nívea, serena,
Frio
alabastro nu de vedra estátua Jônia.
Alva
argêntea, lunar, dúbia, eu sonho, imprecisa,
(Para a
sua psique só mesmo a sua plástica!)
Ela
faz-me lembrar, Da Vinci, a Mona Lisa.
Cai-lhe
sobre a nudez o amplo peplo vermelho.
Depois,
nada!... Ilusão! E eu só vejo fantástica,
A
máscara da lua, a rir, no meu espelho.
(Boletim de
Ariel. Rio de Janeiro, 09 de outubro, 1935)
Em 1937 já gravemente enfermo, mas
aliado da candidatura pela Aliança Nacional Libertadora do escritor paraibano
José Américo de Almeida (1887-1970) para a presidência da república. No início
de abril é lançada pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, candidatura de
Armando de Sales Oliveira a presidência da república nas eleições de 3 de
janeiro de 1938. Por este motivo Pinheiro Viegas não poupou o candidato
adversário:
Senhor
de Sales
Muito gentil
Armando males
Para o Brasil
A morte de Pinheiro Viegas em 27 de
novembro de 1937 provocou a publicação de uma série de artigos dos amigos e
admiradores, relembrando a figura revel, e muitas das vezes revelando alguns
dos seus epigramas que ficaram esparsos em jornais e revistas ou até mesmo em
simples manuscritos. Foi noticiada até em Joinvile (SC) no jornal A Notícia:
Bahia,
2 – Foi muito sentido o falecimento, aqui, ocorrido do velho homem de letras e
jornalista Pinheiro Viegas, fundador nesta capital de uma academia de jovens
literatos chamada Academia dos Rebeldes.
O baiano Nelson de Souza Carneiro (1910-1996),
advogado e ex-senador da República, irmão do folclorista e etnógrafo Edison
Carneiro (1912-1972) que conviveram em sua companhia pelas ruas na velha Bahia,
publicou no Jornal do Brasil na edição de 29 de dezembro de 1937, o artigo Pinheiro Viegas, republicado no ano
seguinte no jornal baiano O Imparcial com o título Crônica do Rio – Pinheiro Viegas. Os amigos Jorge Amado e Dias da
Costa, ambos residindo no Rio de Janeiro em 1938 homenageiam o grande
epigramista. Jorge com dois textos: Acompanhamento
de Pinheiro Viegas, que teve publicação no Anuário Brasileiro da
Literatura, editado pela Pongetti e o segundo Elogio do que sabe ser amigo, estampado no Boletim de Ariel, julho de
1938. Esse artigo falar sobre a relação de Pinheiro Viegas com o romancista
Agripino Grieco, e anunciava que:
Agripino
Grieco, com o livro que está preparando, revelará ao País um dos seus mais
impressionantes poetas. Ao lado disso, os amigos de Viegas pretendem reunir num
volume as suas Poesias Completas. Ficará o País de posse de uma grande figura.
E acredito que também de toda uma época da sua vida literária, pois tenho que o
livro de Agripino Grieco abrangerá, em torno da figura de Pinheiro Viegas, o
ambiente em que o panfletário viveu e o clima daqueles anos. E acredito também
que mesmo um novo Grieco, enternecido e cheio de carinho pela memória do amigo,
será revelado ao Brasil através desse livro.
(Elogio do que sabe ser amigo, Jorge Amado. Rio de
Janeiro, junho, 1938)
É
do mesmo ano o comovido ensaio/critico, Pinheiro Viegas, publicado em março no
Boletim de Ariel, onde daí-nos Dias da Costa algumas reminiscências pessoais em
torno de Pinheiro Viegas, um autêntico mosqueteiro do espírito, panfletário
vigoroso e turbulento. Outro baiano que desempenhava as atividades de
jornalista no sul, era D’Almeida Vitor (1914-1983) autor de vários livros,
publica no Anuário Brasileiro da Literatura, em 1939 o artigo Um espírito contra o seu meio,
apresentando vários epigramas e o poema Tebaida.
Em 1939, foi criada na Bahia, a Ala dos
Intelectuais de Conquista, conforme nota publicada no jornal A Noite do Rio de
Janeiro:
Foi
fundado, na cidade de Conquista, um movimento literário e educativo denominado
“Ala dos Intelectuais de Conquista”. Compõe-se a associação de trinta cadeiras,
todas possuindo por patronos intelectuais baianos, já falecidos, entre os quais
Pinheiro Viegas.
(A Noite. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1939)
O historiador e crítico literário Nélson
Werneck Sodré, publica no Correio Paulistano na seção “Livros Novos” em 18 de
maio de 1939, o artigo Pinheiro Viegas republicado com algumas modificações no
Capítulo VIII – Jorge Amado, do livro Orientação do Pensamento Brasileiro.
O jornalista baiano José Queiroz
Junior, entrevistado por J. G. de Araújo Jorge em 1942 para a revista Vamos
Ler! Sobre a vida boêmia literária em Salvador, diz que os intelectuais locais,
“Nada realizam, nada publicam, porque não encontram editores. O trabalho
literário não vale nada. Por isso vivem pelos cafés dissipando talento, que é o
seu único capital. Pinheiro Viegas morreu assim: gastando ideias, trocando
ideias em mudos, sempre perdendo na transação...”.
(Vamos Ler!. Um escritor baiano na Metrópole, J. G. de
Araújo Jorge. Rio de Janeiro, 25 de junho, 1942.)
Em 1942 o militar e historiador marxista
e um dos fundadores do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros Nelson
Werneck Sodré (1911-1999), que morou em Salvador no inicio dos anos quarenta,
publicou um capítulo intitulado Pinheiro
Viegas, no livro Orientação do Pensamento Brasileira, Ed. Vecchi. Herman
Lima (1898-1981), em 1947 publica na revista carioca Vamos Ler! edição de 19 de
julho de 1947, um artigo dissertando sobre a arte do epigrama, nos revela o
seguinte:
É
assim o caso de Pinheiro Viegas, mestre da geração de Jorge Amado e Dia da
Costa, pelo caótico objetivismo de suas lições, a quem Agripino Grieco tem
também, por tantas vezes, louvado de alta maneira, como o verdadeiro príncipe
da ironia, desterrado dos bons tempos de Florenca, como um Celleni, louvando a
frase com o entranhado amor com que o criador do Perseu abria na prata os seus
primores de perene beleza. Os versos de Pinheiro Viegas, nesse gênero, podem
ser dados como modelo, sendo de estranhar que ainda não estejam coligidos em
livros. (Vamos Ler!. Rio de Janeiro, 19 de julho, 1947.)
Passados quinze anos de sua morte, o nome de
Viegas ainda é lembrado na imprensa carioca:
Pinheiro
Viegas, o satírico baiano que foi continuador de Gregório de Mattos e precursor
de Lafayete Spinola, não poupava ninguém nas suas investidas de demolidor de
falsos ídolos. Como todo bom epigramista, representou inteligentemente no seu
tempo, a reação aos tabus ocasionais e o bom gosto dos raros, que não se deixam
enfileirar no exército da admiração sem crítica e sem reservas. O Sr. Otávio
Mangabeira, antes de se convencer que nascera mesmo foi para presidente da
República – andou as voltas com a literatura e o jornalismo. Claro que na
qualidade de amador e não de um autêntico profissional, e para esta última
coisa lhe faltaria sempre o essencial talento e vocação. Entre outros ensaios
malogrados, escreveu um sobre a figura de Beethoven. Escreveu e publicou – o
que é mais grave. Nos arraiais da imprensa baiana não lhe faltaram os aplausos
convencionais dos críticos do louva tudo. Numa roda em que se encontrava
Pinheiro Viegas, a este perguntaram o que achava do trabalho de Mangabeira. A
resposta de Pinheiro Viegas foi curta:
Felizes os que não ouvem
O que ele diz de Beethoven
(A Noite. Rio de Janeiro, 20 de maio de 1952)
Ainda no ano de 1952 é publicada uma
Nota no Correio da Manhã, sobre a Escola Evolucionista, grupo que pretendia
operar uma revolução nos processos literários e na política das ideias:
Em 12 de setembro de 1907 é lançado o
manifesto de um novo movimento literário encabeçado pelos poetas Alberto Nunes,
Pinheiro Viegas, Luiz Loureiro, Amaral Ornellas, Deoclydes de Carvalho, Carlos
Maul e outros. Trata-se da Escola Evolucionista, que se bate pelo seguinte:
1. Todo poeta vai buscar no exterior o
que mais se parece com o seu intimo, para material das suas obras.
2. Todo poeta evolui do idealismo para
o realismo.
3. Todo poeta evolui da versificação
romântica para a versificação parnasiana.
(Correio
da Manhã. Rio de Janeiro, coluna de José Condé “Escritores e Livros”, 11 de novembro de 1952)
Uma nota publicada no jornal A Noite em
1954, intitulada “O Satírico Pinheiro Viegas”, saiu na coluna “Carrossel
Literário”, assinada por Armando Pacheco:
Era
baiano como Gregório de Mattos. E também do mesmo estofo viperino. Venenoso
feito o diabo, Pinheiro Viegas viveu e morreu em Salvador caustificando amigos
e inimigos, aliás, a bem da verdade, não fazendo diferenças entre uns e outros.
No seu tempo, lá pelos idos de 28 e 29, havia na Bahia duas correntes
literárias, uma liderada por ele próprio, da qual faziam parte Jorge Amado e
Dias da Costa, e outra dos “beletristas” chefiados por Carlos Chiacchio, a
primeira com pruridos negativistas do modernismo e a segunda apegada a velhas
formulas da arte pela arte. Viegas era o pontífice da “iconoclastia” e seus
epigramas eram infernais. Ninguém no meio político, literário, artístico e
social, escapou do seu esporão de galo de briga. Infelizmente, seu nome está se
apagando sem que as novas gerações saibam do seu justo valor, embora à primeira
vista a falsa impressão de que ele tivesse sido apenas um destruidor, um
criador do nada, quando foi um mestre da rima e da prosa, um crítico
responsável, uma perfeita vocação literária conquanto que não realizada por
força de uma atividade inconstante. Seus amigos estão na obrigação de reunirem
seus trabalhos, seus ditos, seus epigramas, seus escritos, para que não seja
esquecido hoje sua obra, apesar de inconclusa. São de Pinheiro Viegas estas
duas amostras que transcrevo, antes, porém, explicando o caso aos leitores para
melhor compreensão do “leit motiva”, dois cavalheiros de “indústria” na
imprensa de “picareta” anunciaram a aquisição do “O Imparcial”, que sairia
assim em nova fase sob a direção dupla cujos nomes eram Mário Simões e Mário
Monteiro. Viegas escreveu então:
Mário Simões, bis, Monteiro
Remontaram “O Imparcial”...
São Quatro mãos no dinheiro
E quatro pés num jornal...
O
segundo epigrama é sobre um nefelibata jornalista, gordo, pachola, chamado
Henrique Câncio, que usava o pseudônimo feminino de “Maria Lúcia”, senhor de
estilo bizantino:
Sou Maria Lúcia às vezes...
Na Bahia ou em Bizâncio...
Barriga de nove meses...
Henrique sendo Câncio...
(A Noite. Rio de Janeiro, 13 de
abril de 1954)
Na
nova fase d’O Imparcial de 1931, Mário Monteiro (advogado) era
diretor-redator-chefe e Mário Simões, diretor gerente. Já o jornalista Henrique
Câncio, atuava n’O Imparcial onde publicava suas crônicas “Sete Dias” em 1928. A coluna Carroussel, de Armando Pacheco em
artigo “Lembrando Pinheiro Viegas” registra:
Pinheiro
Viegas foi um grande poeta satírico. Da estirpe do nosso Coevo Vitae Pacífico
Passos. Literatos e políticos sofreram, com seus formosos epigramas. Uma tarde
destas, o deputado Nonato Marques palestrava na Sala do Café, com diversos
membros desse “serpentário” do Palácio Tiradentes. Na roda, entre outros do
“Butantansinho”, estavam o Ramayana de Chavalier, o Fernando Leite Mendes, o
Pixoxó, e os dois Queiroz (Campos e Junior). Falava-se de Pinheiro Viegas e o
Nonato lembrou-se desta sátira, a propósito dos revolucionários de trinta na
velha Bahia:
A Bahia os viu bem ruim
Feios, magros, amarelos...
Três flagelados flagelos
Juracy, Facó e Hannequim.
Ainda do satírico Viegas lembrava-se de uma “sentença” sua
contra um literato que terminou juiz. O homem chamava-se Jônatas Milhomens.
Lendo o trabalho de estreia de Jônatas, o cruel crítico sentenciou:
– Milhomens... e todos analfabetos!...
(A Noite. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1956)
Em 1960 foi publicado por R. Magalhães
Junior (1907-1981) pela Edições Bloch, no Rio e Janeiro, hoje em 2ª edição,
aumentada e revista (com 128 autores, de Gregório de Matos a nossos dias) o
livro Antologia de Humorismo e Sátira,
de grande importância para o conhecimento dos poetas e prosadores do Brasil,
que se dedicaram ao humorismo e à sátira, representa a mais ampla pesquisa
realizada em nosso país esses gêneros afins, onde encontramos alguns dos epigramas da época. Os quatros
epigramas estampados por Raymundo Magalhães, atribuídos a Pinheiro Viegas são bastantes conhecidos aos baianos, mas
nunca é demais registrá-los.
Contra o jornal baiano O Imparcial,
reformado por Mário Simões e Mário Monteiro:
Mario Simões, bis Monteiro
Remontaram O Imparcial
São quatro pés no Jornal.
Contra o mesmo O Imparcial que pagou a
Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria:
Entre as folhas amarelas,
A melhor é O Imparcial.
Mas, como paga em parcelas,
Só pode ser parcial.
Contra Coelho Cavalcanti, autor do livro
Gigantes e Pingmeus:
Eis o Coelho Cavalcanti,
Que nunca se viu ao espelho.
Pigmeu, quis ser gigante;
Burro, assina-se coelho.
Contra um jornalista, nascido em
Belmonte (BA) terra do poeta Sosigenes Costa (1902-1968), que usava o
pseudônimo de Flosan e tinha o sobrenome de Santos:
Mamãe, entre homens tantos,
Me diga, quem foi papai?
“Florêncio, qualquer dos Santos
De Belmonte foi teu pai”.
Ao morrer o escritor católico sergipano
Jackson de Figueiredo (1881-1928) afogado, no Leblon, disse:
Viram?
Poeta de água doce... Foi tomar banho de mar...
De
um sujeito que se dizia católico:
É
tão ateu quanto o arcebispo!
Do romancista Graça Arranha (1868-1931),
autor de Canaã disse:
Tem
mais aranha que graça...
Em 1968 o crítico alagoano Valdemar
Cavalcanti (1912-1982), colaborador do volume O romance brasileiro de 1752 a 1930, organizado por Aurélio Buarque
de Holanda, através da sua coluna “Jornal Literário”, de O Jornal (1º de
novembro) que estava:
sendo preparada na Bahia uma edição (póstuma)
das Poesias Completas, de Pinheiro Viegas.
Até hoje a obra esparsa de Pinheiro
Viegas não foi publicada, porque coligida ela já está a mais de vinte anos a
espera de editores. As pesquisas foram iniciadas por mim durante o Curso de
Férias - 98.1- Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística – Instituto de
Letras da Universidade Federal da Bahia-UFBA, concluída com a localização de
mais de 40 poemas e 60 textos em prosa, além de aproximadamente 30 textos sobre
o homenageado, inúmeros epigramas recolhidos em dezenas de periódicos de vários
estados da federação.