Memórias
políticas
e pessoais
por Cid Seixas
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O homem e o muro,
de Rubem Nogueira,
resgata momentos
da nossa
história política
e da vida baiana
pelas lentes
de um personagem
convicto
dos seus ideais.
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Memória
e ficção constituem formas de escrita que andam de mãos dadas. A primeira,
necessariamente comprometida com a história e a verdade. A segunda, conduzida
pela criação e pelo invento. Mas estes quatro elementos condutores da narrativa
não permanecem isolados, em estado puro, tanto na primeira quanto na segunda
forma. A ficção, mesmo obedecendo às leis da fantasia, não deixa de se nutrir
da história e da verdade do homem, enquanto a memória, fiel à história e à
verdade, não prescinde da criação e do invento.
Os
livros de Zélia Gattai podem servir de exemplo: inicialmente mais voltados para
a memória, adentraram os labirintos da ficção até que a autora optasse pelo
romance, sem desfazer o espaço contíguo entre um e outro gênero.
É
a predominância dos elementos tomados como essenciais que constitui a forma
adotada, assegurando à memória um lugar entre os modernos gêneros literários. O
memorialista pode ser um escritor tão hábil e senhor do seu ofício quanto o
romancista, criando perante o leitor uma dimensão imaginária onde tempo e lugar
se fundem numa nova realidade, constituída pelo diálogo das subjetividades de
quem escreve e de quem lê.
Pedro
Nava foi um homem de ciência que construiu um espaço próprio na literatura
através do gênero memorialístico. Sua narrativa, bem urdida e identificada pelo
poder de encanto e sedução, pode ser posta lado a lado com a melhor narrativa
ficcional dos nossos dias.
Tal
proximidade entre os gêneros vem exigindo do memorialista o poder de sedução do
contador de histórias e o engenho do escritor para assegurar a atenção do
leitor.
O homem e o muro,
de Rubem Nogueira, publicado pela GRD, é um livro de quatrocentas e tantas
páginas, em formato grande, que pode ser lido com interesse e renovado prazer,
mesmo por quem não compartilha com ele os mesmos princípios ideológicos.
Clara
e intransigentemente comprometido com o integralismo, o autor consegue
transmitir as suas convicções, forjando um território ameno onde ele e seu
leitor se encontram numa agradável conversa de velhos conhecidos. Não é
demasiadamente redundante lembrar que este tom de conversa cativante é a base
de toda prosa, quer seja literária ou de (in)formação.
A
construção de um espaço dialógico ameno e agradável tornou-se possível mesmo
diante de temas tão díspares e controvertidos, onde as opiniões podem ser
divergentes. Mesmo diante de um texto que é principalmente um registro, para a
posteridade, da intervenção do autor em acontecimentos marcantes dos últimos
cinquenta anos, vale o prazer da leitura.
Alguns
fatos são cruciais, formados por momentos tensos da nossa história; mas a
elegância da exposição e da escrita de Rubem Nogueira transforma o vendaval
numa corrente de vento que nos traz informações e enfoques preciosos.
Outro
ponto digno de registro é o poder de argumentação do autor deste livro,
conduzindo o leitor no processo de compreensão das situações controvertidas.
Rubem Nogueira defende seus pontos de vista com intransigência, porém de modo
elegante; o que não deixa de cooptar opiniões.
O homem e o muro
é na verdade a história de uma vida, a vida do autor, mas os ideais deste homem
fizeram com que os acontecimentos pessoais e familiares estivessem intimamente
ligados aos acontecimentos da vida brasileira.
Político
atuante, deputado signatário da constituição baiana de 1947, biógrafo de Ruy
Barbosa e cultor do direito, a exemplo do seu biografado, Rubem Nogueira não
foi apenas um figurante, mas um protagonista de episódios da vida pública do
seu estado e do seu país.
Repórter
político, militante integralista, professor titular de direito, membro do
Ministério Público, procurador geral da Justiça, deputado estadual e federal,
defendeu com firmeza suas posições. Foi nesta condição que, em abril de 1979,
Rubem Nogueira foi guinado a consultor jurídico do Ministério da Justiça. No
quadro de conflitos impostos ao país pelo regime militar, coube ao biógrafo de
Ruy a tarefa de fornecer ao ministro da Justiça o embasamento jurídico do
projeto de anistia enviado ao Congresso Nacional.
Com
a mesma intimidade com que fala dos acontecimentos da sua cidade natal,
Serrinha, Rubem Nogueira trata de acontecimentos da vida brasileira.
Demonstrando conhecimento analítico dos fatos, traz lições úteis e instrutivas
para aqueles que, pela distância cronológica ou espacial, não viveram tais
experiências.
Entre
os acontecimentos políticos que marcaram a vida do país, o integralismo tem um
destaque acentuado, permeando vários capítulos do livro. Como se trata de uma
obra de memórias políticas e familiares, tal relevo dado ao movimento
integralista é justificado; mas convém observar que ele tem mais importância na
vida política do autor e na sua formação do que na vida política nacional.
O homem e o muro
junta-se à bibliografia de Rubem Nogueira, onde figuram títulos como Pareceres, História de Ruy Barbosa, Ruy
Barbosa e a técnica da advocacia, Condições jurídicas das riquezas minerais do
subsolo, Curso de Introdução ao estudo do direito e, principalmente, O advogado Ruy Barbosa, obra publicada
em 1949 que alcançou diversos prêmios e quadro edições.
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Memórias políticas e
pessoais. Artigo crítico sobre o livro O
homem e o muro, de Rubem Nogueira. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 ago. 98, p. 7.
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