peSquisa
e disciplina
por Cid Seixas
O
historiador Renato Berbert de Castro merece o respeito de todos nós pela
seriedade e pelo empenho com que se dedica ao trabalho de pesquisa, quer sobre
fatos da nossa história quer sobre personalidades. A literatura tem sido
beneficiada pelo trabalho deste estudioso através de biografias de autores, a
exemplo do poeta Junqueira Freire. O acadêmico e historiador baiano trouxe à
tona em seu trabalho dados importantes sobre o ambiente familiar do autor
de Confissões do Claustro, inclusive os tortuosos caminhos do pai
do nosso poeta romântico.
Agora,
Renato Berbert de Castro junta-se aos estudiosos de Xavier Marques, contista e
novelista baiano ao qual David Salles dedicou muitos anos do seu vida
acadêmica. O acervo Xavier Marques, incluindo-se aí as cartas recebidas pelo
escritor estão no Arquivo da Academia de Letras da Bahia, instituição que detém
o privilégio de ter Renato Berbert de Castro como Diretor do seu Arquivo.
O
modo constante, disciplinado, ou até mesmo compulsivo, com que Renato Berbert
cumpre com os deveres do cargo, torna este Acadêmico uma figura impar e
indispensável. O resultado deste trabalho são as suas constantes publicações,
zelando pela fixação da História da Companhia. Depois dos seus trabalhos é
muito mais fácil conhecer a Academia Baiana e alguns dos luminares das nossas
letras.
Renato
Berbert de Castro é, sem dúvida, um pesquisador responsável, honesto e
disciplinado. Prova disso ele vem dando constantemente, inclusive agora, com a
publicação do livro Xavier Marques e a Academia Brasileira de Letras.
Com prefácio de Josué Montello, o livro reúne em dois volumes a correspondência
dos candidatos à Academia enviada a Xavier Marques no período de 17 de setembro
de 1920 a 30 de outubro de 1942, abrangendo os vinte e dois anos de vida acadêmica
do contista de Jana e Joel.
Mas
o material não é publicado de modo aleatório. Renato não se permite fazer uma
simples organização da correspondência. Ele se deu ao trabalho de vincular as
cartas, bilhetes, cartões e telegramas a cada uma das quarenta cadeiras da
Academia Brasileira. Temos assim, quarenta capítulos no seu livro, além das
preciosas notas pospostas a cada capítulo. Nestas notas o historiador deixa
patente a marca do seu trabalho e o rico e variado acervo de informações por
ele dominado.
Um
momento impar do livro de Renato Berbert de Castro é o capítulo dedicado à
cadeira número onze da Academia Brasileira. Depois de transcrever duas
correspondências que Monteiro Lobato enviou a Xavier Marques em 1925, as
esclarecedores notas do livro trazem importantes documentos para o entendimento
do chamado “Caso Monteiro Lobato”, que em 1944 ocupou páginas e páginas da
grande imprensa do país.
O
reconhecido e injustiçado autor de Urupês bateu duas vezes à porta da Academia,
que não atendeu ao se desejo de nela ingressar. Num dos escrutínios Lobato
chegou a ter apenas dois votos. Por isso, em 44, quando dez acadêmicos — entre
eles nomes ilustres como Olegário Mariano, Menotti del Picchia, Viriato
Correia, Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima, Cassiano Ricardo, Múcio Leão
(Presidente da Academia), Oliveira Viana, Barbosa Lima Sobrinho e Clementino
Fraga — propuseram à Companhia eleger Lobato, o mestre do conto brasileiro
reagiu com certa indiferença.
Ao
ser consultado pelo presidente da Academia se aceitava a indicação do seus
nome, Lobato agradeceu ao gesto dos Acadêmicos, mas disse não estar disposto a
concorrer. O regimento previa a inscrição de candidatos ou, excepcionalmente, a
indicação ao plenário de um nome ilustre. O indicado deveria responder se aceitava
a indicação e se desejava concorrer à vaga. O já velho Monteiro Lobato não mais
queria se submeter a decepções. Chegou mesmo a ironizar com a Academia em
entrevistas aos jornais.
O
fato de grandes nomes da Confraria terem declarado o desejo e a conveniência de
terem Monteiro Lobato entre seus pares não foi suficiente para apagar as
decepções anteriores.
Lembre-se
que na década de vinte, o já consagrado escritor sofreu dois golpes do mundo
literário. O primeiro, dos modernistas, cuja oposição contribuiu para
identificar Lobato como um passadista qualquer, o que sabemos ser injusto. O
segundo, dos acadêmicos, onde estavam os verdadeiros passadistas.
Quando,
em 44, muitos nomes do modernismo que renovaram a Academia Brasileira quiseram
reparar as duas injustiças, já era tarde, porém. Lobato se desculpou dizendo
que sua recusa a uma nova candidatura não significava desapreço: “É apenas
coerência, lealdade para comigo mesmo e para com os próprios signatários;
reconhecimento público de que rebelde nasci e rebelde pretendo morrer. Pouco
social que sou, a simples ideia de me ter feito acadêmico por agência minha me
desassossegaria, me perturbaria o doce mecanismo ledo e cego em que caí e me é
o clima favorável da idade.”
Aos
interessados em conhecer melhor este episódio, convém a leitura do livro de
Renato Berbert de Castro.
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Pesquisa e
disciplina. Artigo sobre o livro Xavier Marques e a Academia
Brasileira de Letras, de Renato Berbert de Castro. Rio de Janeiro, Academia
Brasileira, 1996. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde,
Salvador, 13 mai. 96, p. 7.
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