E SUAS DUAS COZINHAS
por Cid Seixas
Há sete anos atrás, Paloma Jorge Amado Costa começou a estudar a obra do seu pai para fazer um livro de cozinha dos personagens de Jorge Amado. Leu os romances por ordem de aparição e fez um levantamento sistemático de todas as referências à comida e à bebida. Só então percebeu a riqueza do material, suficiente para um estudo antropológico ou mesmo sobre a interferência da comida nas relações interpessoais. Apesar disto, nos conta que não cedeu à tentação de um estudo acadêmico, mas se manteve firme no objetivo de fazer um livro de cozinha.
Assim é que nasceu o rico volume projetado por Pedro Costa e intitulado A Comida Baiana de Jorge Amado ou O Livro de Cozinha de Pedro Archanjo com As Merendas de D. Flor.
Quanto ao material levantado por Paloma na sua pesquisa inicial, está tabulado e pronto para ser consultado pelos possíveis interessados; tendo sido anexado ao acervo da Fundação Casa de Jorge Amado.
Quanto ao livro propriamente dito, há nele dois aspectos a ressaltar: de um lado, a presença constante das citações de passagens de obras amadianas, onde o prato aparece, numa deliciosa salada lítero-culinária de momentos bem baianos da escrita de Jorge Aamado, escritor que se disse um baiano romântico e sensual. E, do outro lado, o seu aspecto utilitário, enquanto livro de receitas originais de várias cozinheiras e cozinheiros.
Encontramos até receita inventada e executada pelo próprio Jorge Amado, que de tando conviver com personagens quituteiros aprendeu com suas criaturas um pouco da arte de agradar ao paladar. Paloma se confessa discípula de sua mãe, D. Zélia Gattai, na preparação de pratos admirados pelo gosto baiano, mas não deixou de incluir no livro receitas de muitas outras pessoas, profissionais da cozinha ou amantes da arte de preparar um bom prato.
A rigor, o livro não é uma coleção de comidas baianas, segundo a compreensão usual, mas uma livro de receita dos personagens de Jorge Amado. Assim, os pratos vão desde uma moqueca até os quibes dos muitos árabes que perambulam pela obra do autor de D. Flor.
Um belo presente para pessoas da terra ou, principalmente, para pessoas de fora, interessadas em levar consigo um pouco do gosto baiano, é este livro lançado pela Maltese.
(Paloma Jorge Amado Costa. A Comida Baiana de Jorge Amado ou O Livro de Cozinha de Pedro Archanjo com as Merendas de D. Flor. São Paulo, Maltese, 1994.)
Crônica de uma admiração anunciada
Ruy Simões é um conhecido professor de filosofia, admirador da música, da literatura e das artes em geral. Ainda hoje lembro do antigo professor do curso clássico do Colégio da Bahia, cujas aulas eram acompanhadas vivamente por todos nós, adolescentes atônitos ou rebeldes dos anos pós-golpe militar.
Mesmo sem fazer chamada, suas aulas reuniam os trinta e tantos alunos matriculados e mais alguns outros das turmas vizinhas, interessados na conversa atraente transformada em forma de ensino. Provocativo, às vezes irônico, Ruy Simões transformava suas aulas numa grande conversa sobre a filosofia e os fatos que nos envolviam. É este mesmo estilo de conversa que ele conserva no livreto que acaba de publicar: Depoimento sobre Saramago.
Trata-se de uma crônica anunciando a sua admiração pelo autor português, na qual ela nos conta a sua descoberta da obra de Saramago e a viva impressão causada pelo escritor mesmo enquanto tradutor de textos não literários. Ruy descobriu Saramago ao ler o livro de André Bonnard Civilização grega, traduzido pelo romancista. Não sabia de quem se tratava, mas foi tomado de admiração pelo estilo do tradutor. Daí à leitura das obras de Saramago foi um passo, ou melhor, foi uma novela, cheia de peripécias interessantes.
Por fim, veio a curiosa fixação de Ruy Simões nas dedicatórias dos livros de José Saramago a Isabel. Seu interesse e sua admiração ultrapassaram o texto do escritor e chegaram à relação Saramago-Isabel, tanto que em 89, conforme confessa, relutou em ler História do cerco de Lisboa, dedicado não mais a Isabel, mas a uma certa Pilar.
“Nesta ocasião, Saramago esteve em Salvador. Com antecedência, Caribé telefonou-me, formalizando convite para um encontro de nós três, em seu atelier. Não fui, desculpando-me depois. Silente solidariedade a Isabel.”
Um verso de Caetano Veloso sempre me acompanha: “eu desejo teu desejo”. A admiração de Ruy resvalou de Saramago para a pessoa da admiração do escritor, nas primeiras obras. Por fim, fixou-me mais na pessoa admirada pelo admirado: silente solidariedade.
(Ruy Simões. Depoimento sobre Saramago. Salvador, Edição do Autor, 1994.)
Hélio Simões e o Instituto de Letras
O poeta Hélio Simões foi um dos docentes fundadores do Instituto de Letras da UFBA. Para preservar sua memória e seu acervo bibliográfico foi criada a Associação de Estudos Portugueses Hélio Simões que, há alguns anos, teve as atividades paralisadas por falta de um lugar seguro para o seu funcionamento. Agora, o Diretor do Instituto de Letras, Prof. Aurélio Lacerda, secundando compromisso assumido pelo Reitor Felipe Serppa, resolveu fechar uma pequena área destinada a Associação, na Biblioteca Central da UFBa. e reinstalar os condicionadores de ar, para que o acervo volte a ser consultado. Esperamos em breve poder noticiar a re-inauguração deste espaço, com seu equipamento funcionando.
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Livros & Idéias é publicada todas as segundas-feiras em A Tarde.Correspondências para esta coluna: Rua Alagoinhas, 256, apto. 101. CEP 41.949-629, Salvador, Ba. Salvador, 9 de outubro de 1994.