OS
CONTOS DE HÉLIO PÓLVORA
Todo início de ano é
geralmente um período fraco do ponto de vista editorial, quando as empresas
editoras dão férias e as distribuidoras e livrarias investem no livro didático.
Deste modo, raríssimos são os lançamentos, que só voltam a ocorrer em março ou
abril.
Todavia, em Salvador,
onde o movimento editorial é assumido quase amadoristicamente, tanto pela
iniciativa privada quanto pelos organismos oficias, tivemos neste início de ano
algumas publicações novas, como o livro de Florisvaldo Matos e este volume de
contos de Hélio Pólvora.
Autor hoje consagrado
pela crítica brasileira, em 1953 passou a trabalhar no Rio de Janeiro, como
jornalista, tradutor, crítico e ensaísta literário. Durante os trinta anos em
que ganhou a vida escrevendo para quase todos os jornais da então Capital do
País, Hélio Pólvora firmou-se como escritor de ficção.
O exercício diário da
escrita conferiu ao seu texto uma disciplina e um poder de comunicação
altamente bem dosados, de onde decorre o prestígio do seu nome, tido como um
dos referenciais do nosso conto. Observe-se, inclusive, que Hélio Pólvora
seguiu, quanto a este aspecto, o caminho de muitos dos escritores brasileiros
mais destacados — o jornalismo.
No século dezenove e na
primeira metade deste século, as redações de jornais foram grandes laboratórios
de criação literária. Isto no sentido etimológico da palavra labor, labore(m), trabalho. Como os cursos
universitários de literatura apareceram no Brasil nos anos trinta e os de
jornalismo muito depois, a prática diária das redações de jornais formava tanto
bons jornalistas quanto bons escritores.
Somente nos últimos
anos é que se passou a exigir formação acadêmica para o exercício do
jornalismo. Quanto ao exercício da criação literária, ninguém procura os cursos
de Letras, mais dedicados ao fornecimento de diplomas em massa de professores
de línguas. A estrutura dos currículos desconhece inteiramente a formação de
escritores e de críticos ou ensaístas literários, onde poderia ter lugar a nível
de bacharelado.
Como a Universidade não
tem sido o lugar onde se faz literatura, os nossos escritores se formaram nas
redações de jornais, quando elas ainda eram lugar de formação.
Foi, portanto, nesta
prática compulsória da escrita mais contundente que Hélio Pólvora se fez
escritor, juntando à objetividade e à eficácia do estilo jornalístico a
indispensável sutileza do estilo dos grandes mestres da literatura. Paralelo ao
seu trabalho nas redações ele também traduziu para o português mais de cinquenta
livros. Aí, como se sabe, o tradutor tem que se fazer escritor de recursos
linguísticos tão ricos quanto os recursos do autor traduzido, para que realize
uma boa tradução. Esta foi a outra grande escola de literatura frequentada por
Hélio Pólvora.
Explica-se, portanto,
porque ele é considerado um mestre do seu ofício, tendo atingido os mais bem
elaborados momentos em livros de contos como Estranhos e assustados, de 1966, Noites vivas, de 1972, Massacre
no Km 13, de 1980, O grito da
perdiz, de 1983,
Mar de Azov,
de 1986, e Xerazade, de 1986.
Como de um escritor
deste quilate devemos esperar sempre o melhor, o livro Três histórias de caça e pesca causa
certo desapontamento. Além de conter apenas três narrativas curtas, com suas
traduções para o francês, o volume, do ponto de vista gráfico, não faz jus à
obra já construída pelo autor. A composição foi feita em um espaço
exageradamente grande, como se o programador gráfico quisesse inchar o volume,
e fazendo com que um livro de quase duzentas páginas ofereça, de fato, em
espaço normal, menos de quarenta páginas a serem lidas em língua portuguesa.
Muito embora o livra
seja bilíngue, o leitor terá nas suas páginas um encontro um tanto aligeirado
com o conto de Hélio Pólvora, o que certamente impedirá uma larga circulação e
recepção do volume.
Bem verdade que ele
inclui nestas Três histórias de caça
e pesca contos significativos, inclusive o já conhecido e discutido “O
grito da perdiz”.
Se Hélio Pólvora fez
este livro para a crítica e para a apresentação do seu trabalho fora do país
(daí os contos aparecerem em português e em francês), o leitor comum ficará
frustrado, especialmente aquele que procure tomar um primeiro contato com a
obra do autor.
Este lançamento,
portanto, não se destina ao grande público, mas a cumprir uma tarefa restrita.
A editora Mythos, que agora inicia suas atividades, poderá ganhar mercado com
uma seleção significativa dos contos de Pólvora ou com um novo livro inédito.
Este volume agora editado, de objetivos incertos, incluindo contos novos e já
publicados, pode servir como merchandising do
autor na Europa (quando utilizado pelos agentes literários), mas não ao mercado
livreiro da Bahia e de outras cidades brasileiras, onde as Obras de Hélio
Pólvora são bem-vindas.
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Os contos de Hélio
Pólvora. Artigo crítico sobre o livro Três
histórias de caça e pesca, de Hélio Pólvora. Salvador, Mythos, 1996, 185 p.
Coluna “Leitura Crítica” do jornal A
Tarde, Salvador, 26 fev. 96, p. 7.