Marko Ajdarik


O RISO: ARTE
E MANHA

por Cid Seixas

O siso sempre foi moeda de muita valia entre os tolos e todos nós: o oposto do riso. As coisas sisudas impressionam pela gravidade. Parecem profundas, como a morte. As pessoas circunspectas, sisudas por trás dos óculos e das rugas na testa, têm passaporte permanente nas pretensas rodas do saber. Os homens sábios, ressabiados com a vida, encontram na sisudez o repouso e o silêncio de que precisam nos seus sísmicos cismares.

O riso sempre foi visto como irmão, ou parente próximo, da loucura. Na literatura, esta bem comportada cortesã, o riso não costuma ter acesso aos suntuosos salões. Teme-se que ele respingue a reputação desta donairosa dama. Convém que o debochado menino fique na sala íntima, vigiado pelos avós (que somos nós).

Desta forma, as grandes obras literárias são aquelas em que as coisas risonhas cedem lugar à trágica seriedade dos fatos. No mundo antigo, os heróis das epopeias viviam situações de turbulência e desafio, enquanto no teatro, a tragédia retratava os grande personagens no seu embate com o destino. Os homens menores, seus vícios e vicissitudes, eram relegados à comédia, tida como um gênero menos digno.

Para Aristóteles, Homero foi o supremo poeta do “gênero sério” (a expressão é do filósofo), porque, segundo as suas palavras, os homens de mais alto ânimo imitam as ações nobres e dos mais nobres personagens, enquanto os homens de mais baixas inclinações voltam-se para as ações ignóbeis (veja-se a Poética, 1448b 24).

Desde os áureos momentos da cultura grega, o riso provocado pela exposição dos defeitos humanos é visto também como resultado de uma observação defeituosa. O objeto tratado refletiria o caráter de quem o trata. A partir deste argumento de autoridade, o equívoco se espalhou pela tradição literária. É verdade que em alguns momentos da cultura europeia, o riso assumiu ares de dignidade e a censura dos hábitos indignos foi exercida pela admoestação bem humorada. Ridendo castigat mores, ou rindo corrige os costumes, passou de simples frase latina à condição de máxima destinada a explicar o bem humorado processo crítica social de alguns escritores. Erasmo de Roterdã, com o seu Elogio da Loucura, foi um dos grandes nomes que aderiram a esta estratégia, assim como Gil Vicente, no sisudo e pequeno Portugal.

Mas não esqueçamos que foi a estética do Renascimento, época em que viveram estes dois escritores, que ao retomar os valores da antiguidade greco-romana também retomou o equívoco preconceito expresso por Aristóteles, como porta-voz do pensamento clássico.

Até hoje os escritos mais bem humorados são postos à margem da literatura. E o que dizer do humor mais evidente e dos humoristas? Quantos manuais escolares de literatura incluem o nosso sutil Millôr Fernandes nas suas vetustas páginas?

Por tudo isso, e apesar de tudo isso, convém recebermos de bom humor este livrinho de Marko Ajdaric chamado A realidade é virtual. Inteligente e bem informado, ágil no trato da palavra, como deve ser todo humorista, o autor nos proporciona momentos de divertida reflexão. Para que o leitor julgue se vale a pena, ou se a caneta do humorista vale a compra do volume, vão aqui, de viva voz, suas palavras de A a Z:

 “Algodão - oferecem alguma coisa.
Anular - dedo da mão esquerda, assim chamado por ser o dedo do qual é retirada uma aliança quando se desfaz um casamento.
Artesanais - conjunto de práticas muito comuns entre gays.
Ave migratória - forma educada de se referir a uma senhora que é perua ou galinha.
Boa pinta - feminino de bom pinto.
Catatônico - revisor de jornal.
Claybom - torcida organizada do Muhamed Ali.
Clipping - fruto mais pujante da onda de terceirização em Lisboa, constituindo-se de empresas contratadas para colocar clips em documentos de outras firmas.
Colunável - diz-se do paciente que está apto para receber transplante de medula.
Comandatuba - chefe da seção de sopros de uma banda.
Contra-regra - absorvente feminino.
Copular - saltar em sintonia.
Cotovia - em cidades muito urbanizadas, faixa ao lado da ciclovia por onde trafegam os cotós.
Diuturno - período de tempo pelo qual uma mulher aceita utilizar um dispositivo intrauterino.
Entreposto - período de tempo em que o militar nada faz, pois aguarda promoção.
Excitada - dama que já não aprece mais nas colunas sociais.
Fernando Henrique - Produto tipicamente brasileiro. Vem em três versões: caridoso - para o Mercosul, carnoso - para produtores rurais, fardoso - para petroleiros.
(Compre o seu agora! Versátil, o produto tem suas características alteradas a cada 20 anos.)
Ginecológico - bebida feita com gin e limão.
Íncubos - nome pelo qual os portugueses conhecem as pedras de gelo. Por extensão, lá se denomina o abafa-banca por súcubos.
Internado - em Portugal, nado sincronizado.
Juiz de fora - bandeirinha
Kilimanjaro - comeram num restaurante a peso.
Lisboa - apelido pelo qual Elizabeth Taylor é conhecida em Portugal.
Mamão e papaya - posição aludida no Kama Sutra.
Maternal - curso que é uma das grandes contribuições do feminismo em favor do capitalismo, inventado para suprir a ausência maternal.
Mentecapto - expressão usada por telepatas, equivalente a “alô”.
Nostradamus - palavra elegante, de origem latina que é empregada para definir uma geisha, por parte de sua clientela.
Obtemperado - absorvente com sabor malagueta.
Pequeno Polegar - apelido muito comum entre os cortadores de cana da Zona da Mata, em Pernambuco.
Percussionista - convertido à fé israelita por meio de relações homossexuais.
Qual é a boa?  - pergunta de amigo da onça, que quer te tomar o telefone dela.
Serapião - nome que a gente humilde da roça coloca num filho quando tem o augúrio de que ele irá trabalhar na cidade .
Tá numa ligação - resposta que se obtém ao ligar para a casa de um hippie.
Ucraniano - aquele que tem cérebro.
Voltaire - em Portugal, sinônimo de retornaire.
Zagalo - jogá-lo na defesa.

___________________

O riso: arte e manha. Artigo crítico sobre o livro A realidade é virtual, de Marko Ajdaric. Humor. Salvador, Edição do Autor, 1995. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 22 out. 95, p. 5.